Reflexão sobre a comunicação do Professor Christopher Day

No dia 29 de Maio, na Universidade do Minho, decorreu um seminário sobre “Avaliação de Professores, Perspectivas Internacionais”. Lá fomos, eu e o nosso Director. Nada do que ouvi me pareceu verdadeiramente inovador, interessante ou extraordinário para valer a bela madrugada às 5h00 da manhã, os cerca de 800 Km de condução, felizmente divididos ao meio, e o elevado gasto em combustível e portagens, a não ser a comunicação do Professor Christopher Day, emérito docente de Educação da Universidade de Nottingham. Perdoem-me, pois, os restantes conferencistas mas é preciso dizer a verdade; não gostei de fazer 800Km para ouvir banalidades enfeitadas e, pior, lidas em tom monocórdico, sem qualquer entusiasmo ou inflexão de voz. Porque é que o conferencista que nomeei fez a diferença? Porque, ao contrário da maioria dos outros prelectores, exemplificou e concretizou ao longo da sua comunicação tudo aquilo que considera ser essencial num bom professor, a saber: grande clareza de ideias e simplicidade de exposição; fluência verbal e adequação do discurso; dicção perfeita e boa projecção de voz; entusiasmo e interactividade com o público; espontaneidade de comunicação; gosto pelo que faz e, já agora, boa presença, carisma (o que nada tem a ver com fatiotas mas, antes, com aprumo e atitude).

Segundo Christopher Day, todos os itens precedentes decorrem de um mesmo ponto inicial que um professor nunca pode, nem deve perder, e que é a paixão, pois é ela que determina o grau de comprometimento (maior ou menor) de um docente com o seu trabalho. Day foi até peremptório: um professor que perde a paixão de ensinar deve dedicar-se a outra actividade ética (no sentido do compromisso e do envolvimento com os alunos) e emocionalmente menos exigente. Porque não é qualquer um que consegue ser um Professor, embora a sociedade cada vez menos reconheça a dignidade e o mérito associados a esta profissão.

Outro factor a ter em consideração na profissão docente (e que também foi bem enfatizado) refere-se àquilo que Chirstopher Day designou por “padrões essenciais de alguém” pois, na sua perspectiva, estes constituem o alicerce de todos os outros padrões posteriores – a competência científica e pedagógica. Ao falar em padrões essenciais de alguém, o conferencista referia-se claramente, tal como depois veio a explicitar, aos atributos pessoais. Na sua perspectiva, é ponto assente que um professor tem de reunir condições para que os pares, os alunos e a comunidade o possam considerar uma referência e uma influência positiva nas suas turmas. Sem estes padrões essenciais, nem a competência científica, nem a competência pedagógica conseguirão compensar essa limitação.

Christopher Day também considera que um bom professor deve formular, em bases diárias, com consciência e com verdade, três questões muito simples, cuja resposta deve regular e orientar a sua acção em prol do seu desenvolvimento pessoal e profissional e do desenvolvimento dos seus alunos. São elas:

  • O que é que precisas para e o que é que tens feito para evoluir?
  • Que mudança ou que diferença provocaste hoje nos teus alunos?
  • Que contributo estás a dar aos teus alunos, à tua escola e à tua comunidade?

Quer isto dizer que é muito importante reflectir em profundidade, reformular estratégias, investir no aperfeiçoamento de competências pessoais e profissionais, numa lógica de adaptação permanente à realidade e às exigências actuais. E, enfatiza o autor, no contexto presente, mais importante do que a competência científica é a competência pedagógica, porque o que se exige em primeiro lugar a um bom professor, hoje, é que ele saiba disciplinar os seus alunos. Talvez não haja tempo, talvez haja um peso esmagador de burocracia nas nossas escolas, talvez haja grande dispersão e esmagamento da nobre função de um professor (que nos últimos anos a tutela bem vem tentando transformar num jornaleiro burocrata), mas é preciso centrar a nossa função naquilo que é essencial: o que é necessário fazer para tornar a nossa sala de aula um espaço de trabalho mais produtivo, mais tranquilo, mais interactivo?

A maioria dos professores actuais terá, de facto, muitas dificuldades a este nível. E, por isso, precisa de ajuda. O autor identifica aquilo que se torna hoje essencial fazer em relação à sala de aula: implementar estratégias positivas de resolução de problemas e de mediação de conflitos, assentes na partilha de experiências entre pares e na reformulação de práticas, sendo certo que, nas palavras de Day:

“Our classroom is no longer our kingdom in which we rule”

“We cannot say all the time to a student: you are not good enough.”

Day afirma também que uma das formas, senão a principal, de elevar os padrões dos professores e das escolas é analisando e reflectindo sobre dados de qualidade acerca processo de ensino/aprendizagem e isso não é possível sem entrar nas salas de aula, pois a auto-avaliação do professor, por si só, não recolhe dados suficientes. Assim, o autor propõe que na avaliação do processo de ensino/aprendizagem ou do desempenho de um dado professor se considerem e se cruzem outros dados: dados apresentados pelos alunos e dados provenientes de um “amigo crítico”. Este escancarar da sala de aula e este cruzamento de dados justifica-se, segundo Day, pela necessidade dos sistemas de ensino actuais se regerem hoje por critérios comuns a outras áreas de actividade pública e privada, nomeadamente, a transparência dos serviços, a avaliação e a prestação de contas. E, sejamos honestos: um professor presta um serviço que se exige de qualidade.

Neste processo de mudança e renovação que é transversal aos sistemas de ensino actuais e que há muito está a decorrer no Reino Unido é preciso criar condições para que as escolas se transformem em comunidades de aprendizagem, desenvolvendo uma prática reflexiva baseada na investigação/acção, criando dispositivos de apoio e coaching aos professores e instituindo uma cultura de trabalho verdadeiramente colaborativo.

Se Day visitasse o nosso Agrupamento por estes dias, veria que na ponta mais ocidental da Europa, se está a tentar ir por bom caminho, no que ao desenvolvimento das boas práticas anteriores diz respeito.

 

Por   Ana Bernardo

Foto: http://www.nottingham.ac.uk/education/people/christopher.day

5 comentários para “Reflexão sobre a comunicação do Professor Christopher Day”

  1. Eu também estive presente nesse seminário e também fiquei fascinada pelo comunicador que encontrei no professor Christopher Day. O texto que acabo de ler resume perfeitamente tudo o que este professor preconiza relativamente ao papel do professor, ao seu profissionalismo e desenvolvimento profissional. Este texto pode ser uma ferramenta de trabalho, um ponto de partida para muitas e profícuas reflexões.Parabéns pela clareza e capacidade de síntese!

  2. Gostei muito do artigo, ensinar é mais do que transmitir ideias, é ensinar a pensar, a reflectir! De pouco vale a aquisição do conhecimento baseado em teorias se não se ensina a indagar e a enveredar pelos caminhos certos que nos levam ao conhecimento.
    “É sinal de uma mente educada ser capaz de entreter um pensamento sem aceitá-lo”.
    Aristóteles

  3. Um texto que me deu muito prazer ler, pelo conteudo, pela reflexão sobre o tema debatido e também pela forma como é redigido.

  4. Gostei muito da reflexão apresentada pela Ana e comungo das ideias defendidas por Day.
    Considero que o Nosso Agrupamento dá passos largos no caminho da excelência. A própria publicação deste artigo é prova disso mesmo: a partilha do conhecimento crítico adquirido por um de nós, num contexto não acessível a todos.
    Obrigado Ana!

  5. Um novo e importante texto. Inspirador!

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