Conto de Natal

Menino JesusHoje,

À  luz de tanto outro tempo volvido,

Penso, …

Na palavra… Natal e, por consequência simples ou obra de muito acaso, caio noutras como, Nascer… ou

Nascimento.

Hoje,  mais do que nunca,  soam-me bem estranhas até ao mais simples do entendimento.

E logo um universo imenso de solicitações me vem ao espírito.

Num mundo de sonho, fantasia, ou quiçá… de pura realidade, onde, aliás, tudo é bem possível,

Lembro,

Num  Tempo,  noutros tempos .

Em tantos outros Natais passados.

Uns, com   muitíssimo   mais afã  do que outros.

Aqueles,
Talvez produto de um cansado formalismo vezes repetido, de geração em geração, no desgaste próprio que isso implica.

Mas… As tradições são para cumprir. Oh!…  Se são!

Por fim, para outros, o Natal nem… cheiro disso tem.

É  o que mais há por aí… num mundo que cada vez mais evolui às avessas.

Pensam os Homens “NAS SUAS FORNICAÇÕES MENTAIS” talvez noutras coisas mais interessantes!…

É natural…

É  deveras  o produto acabado daquilo a que o vulgo chama de … Tempos modernos!

Hoje,

À luz deste meu tempo efectivo, Aqui sentado no compasso de muita espera, que já é habitual nesta coisa dos consultórios médicos, nada mais tenho a fazer senão pensar… aliás coisa que muitos já se esqueceram de fazer há tanto.

Mais um o Natal vem aí,

E,

Como será este?

Como quase sempre, igual a tantos outros,

Nalguns sitios, não passa mesmo de umas horas gastas,

Porque a tradição assim o diz,

Noutros, ainda se tem o privilégio de bafejar de facto o espírito da quadra.

Nesses,

Oiço o ruido, a estridência sã de tanta criança, esperando no final, pela vinda de mais um Pai Natal… e, de repente, lá aparece, o Manuel, ou um Xico ou porque têm mais jeito ou pachorra, para cumprir a missão, que lhes é destinada. É ASSIM …e assim será

SEMPRE!

Num brado arrancado dos profundos, o mais convincente possível, lá dão inicio à lenta distribuição que provoca autêntico rebuliço nas demais criaturinhas que, quase sem excepção,  resistiram  heroicamente à falta de algumas horas de sono.

Mas,

Aquele era um momento tão esperado desde há tanto.

Olho-os na imagem nítida destes meus espelhos, filtros puros de vida e vejo mãos, olhos a tremer de tanta excitação contida.

Recebem, então, das mãos dos tais Xicos ou Manéis feitos Pais Natais, os tão suados mas merecidos presentes.

SIM!

Bem merecidos pela espera, pelo esforço!

E,  sob o olhar diverso de uma atmosfera pesada em anéis de fumo com algum quê de lânguido, os mais velhos, uns lá vão mergulhando, outros, naufragando, na nostalgia dum passado que  só volta à força muito imaginar.

Acordei desta letargia boa ao som cheio de ruídos do aparelho de chamamento, e uma voz monocórdica, impessoal, também ela cheia de frete, lá pronunciou o meu nome.

ARREPIEI-ME! NAQUELE ARREPIO DE CHAMAMENTO ÀS REALIDADES, como verdadeiro autómato que obedece, lá fui em passo lento para mais uma consulta. Note-se, sentia-me como um verdadeiro condenado que, mesmo inocente, não sabia defender-se da injustiça do “veredictum”. Não sei ao certo quantas voltas me deram …. Mas não era nada que já não fosse um hábito.

Pareceu-me verdadeira eternidade como sempre. Lá saí… Olhei de relance à minha volta e – tantos outros olhares no suspenso de tanta espera perdiam-se ali no incaracterístico de vazios silêncios de muita vontade reprimida sem ter já ânimo de Gritar um enorme – Basta! Lá jaziam Estoicamente perdidos num ritual vezes e vezes sem conta repetido…  em grande parte os mesmos de tantos Sempres.

E os meus … Que revelavam eles desta vez?  O mesmo silêncio ensurdecedor? Ou  simplesmente eram  Mais uns que também ali se perdiam sem horizonte, de tanta espera abafada pela impotência de não se saber ao certo como  seria  o amanhã.  Baixei-os para que não denunciassem tanta dúvida que ia bailando neles… E saí dali apressando a cadência anestesiada dos meus passos. Lá fui deambulando até ver a saída.

Por fim,

Estava na rua. Estremeci ao sabor daquela brisa muito fria de Dezembro, parecia  até morder. Era bom para manter o espírito alerta a qualquer coisa que surgisse de surpresa.

Era um daqueles dias cinzentos num fim de tarde… Assimetricamente, “esta floresta de muito cimento” rasgava os ares numa atitude de teimosia, de autêntico desafio.

Inevitavelmente, nunca me senti homem de Cidade!

Aqui durante tanto, quase  entristeci  na limitação deste espaço  povoado bastardamente por gente tão indiferente…

Que vagueia errante sem divisar diante do olhar qualquer outro Horizonte, ainda que muito esfumado –

SIM;

Só cá venho por necessidade.

E chega-me na perfeição.

Nas vidraças, o embaciado manifestava o calor de cada interior,

A verdade é que cá fora continuava bastante frio.

Caminhei ao acaso no ressoar de passos contemplativos pelas ruas. O eco cadenciava-me as ideias e inevitavelmente fui remetido para mundos tão longe.

Veio-me à ideia que, numa ocasião, alguém ao acaso perguntou qual era o meu prato favorito nesta ocasião festiva.

OLHEI-A, … eram tantos afinal!

Bah!

Teima-se tanto no tradicional, no perú que afinal de tradicional nada tem, e noutras coisas do género que nada dizem.

E… porque não um javardo bem estufado, depois de bem estafado, numa montaria qualquer, umas perdizes à Convento, para já não falar de um Nobilíssimo Veado à Tapada?

Malditas tradições…. não, tenho reumatismo nos dentes, afinal qualquer coisa,

Sempre agasalha!

Nisto, o meu olhar prendeu-se num enorme presépio que dormia num largo.

Olhei-o, como quem deve olhar, bebendo-o.

Era bonito. É um facto.

Mas…  Nem S. José nem ninguém em Belém

Despiu o casaco para agasalhar o Deus Menino!

Aqui está a verdade, e nenhuma leitura por muito simbólica que se assemelhe  me convence do contrário.  Certamente o Menino Tinha frio.

E… se há tanto que o Natal em mim começou a perder o pendor místico que devia ter, agravou-se quando num deles, após ter polido religiosamente o meu melhor “sapato” para depois depositá-lo na chaminé, esperando na excitação de uma noite em branco que o “tal PAI NATAL” nele depusesse algumas oferendas,  cometi um simples erro.

Sim, um simples erro.

Não aguentando o compasso de espera pelo dia seguinte, caí na asneira de ir espreitar.

Então,  confuso para já não dizer mesmo atónito, vi  que o tal “Santa Klaus”  fora batizado por José e que por sinal era meu Pai!… Bhaaaa!!! Por esta é que não esperava mesmo.

E,

Depois de ter digerido dentro do possível todo aquele turbilhão que andou a fazer das dele no meu espírito, era inevitável que toda a mística da quadra fosse aos poucos morrendo em mim!

Agora, parado neste largo desta Lisboa que continua a soar-me imensa, olhando, mais uma vez, aquele presépio também imenso, saiu-me num jacto espontâneo.

Caramba!

E o Deus menino, para ali, continua semi-nu sem que o agasalhem… Cheio de frio.

Então,

Perante esta visão, se ainda alguma réstia de “Místico” ainda coabitava em mim, nesses instantes desapareceu por completo. Nem resistiu a tudo quanto a Família e a doutrina religiosa me tinham ensinado,

Durante tanto tempo.

Hoje,

À luz de tanto outro tempo volvido, com todos os Sentidos conjugados num só sentir, vejo que em mim aos poucos tudo está a voltar.

Esse bafejo cheio de brilho que outrora o atrevimento de miúdo traquinas tinha adormecido, por completo.

 N. Montenegro.

Um comentário para “Conto de Natal”

  1. O Natal brilha sempre mais quando transmitimos aos filhos a herança dos nossos pais ou antepassados. A magia do Natal ajuda a construir o mundo imaginário da criança.

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