Escritores e Poemas: Manuel António Pina

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Manuel António Pina, jornalista, poeta e escritor licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1971. A viver no Porto, aí exerceu a advocacia e foi também técnico de publicidade. Mais tarde, abraçou a carreira de jornalista no Jornal de Notícias, onde durante três décadas, foi repórter, redator, editor e chefe de redação, mantendo na última página do JN a crónica Por outras palavras.

Galardoado em 2011 com o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da lusofonia, tem uma vasta obra de poesia e literatura infantil, sendo também autor de inúmeras peças de teatro e de livros de ficção e de crónica. Algumas dessas obras foram adaptadas ao cinema e televisão e editadas também em disco.

Na área da literatura, destacam-se as obras O país das pessoas de pernas para o ar, O têpluquê, Gigões & Anantes, História com reis, rainhas, bobos, bombeiros e galinhas, Pequeno livro de desmatemática, O tesouro; na poesia, sobressaem os títulos Ainda Não É o Fim Nem O Princípio do Mundo Calma É Apenas Um Pouco Tarde, Poesia, saudade da prosa, Nenhum sítio, Um sítio onde pousar a cabeça, Cuidados intensivos, Nenhuma palavra, nenhuma lembrança, Os livros e Como se desenha uma casa.

Para consultar a bibliografia clique aqui.

Aqui ficam dois dos muitos poemas que nos deixou.

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A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas

vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar?

in “Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde”

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A triste história do zero poeta

Numa certa conta havia
um zero dado à poesia
que tinha um sonho secreto:
fugir para o alfabeto.

Sonhava tornar-se um O
nem que fosse um dia só,
ou ainda menos: só
o tempo de dizer: «Oh!»

(Nos livros e nas selectas
o que mais o comovia
eram os «Ohs!» que os poetas
metiam nas poesias!)

Um «Oh!» lírico & profundo,
um só «Oh!» lhe bastaria
para ele dizer ao mundo
o que na alma lhe ia!

E o que na alma lhe ia!
Sonhos de glórias, esperanças,
ânsias, melancolia,
recordações de criança;
além de um grande vazio
de tipo existencial
e de uma caixa que o tio
lhe pedira para guardar;

e ainda as chaves do carro
e uma máscara de entrudo…
Não tinha bolsos, coitado,
guardava na alma tudo!

A alma! Como queria
gritá-la num «Oh!» sincero!
Mas não passava de um zero
que, oh!, não se pronuncia…

Daí que andasse doente
de grave doença poética
e em estado permanente
de ansiedade alfabética.

E se indignasse & etc.
contra o destino severo
que fizera dele um zero
com uma alma de letra!

Tanta ambição desmedida,
tanto sonho feito pó!
E aquele zero dava a vida
para poder dizer «Oh!»…

in Pequeno Livro de Desmatemática

 

Maria José Leite

Um comentário para “Escritores e Poemas: Manuel António Pina”

  1. Aproveito a obra de António Pina para relembrar a

    importância das Visitas de Estudo e das

    Viagens…Vale a pena pensar nisto!

    “O regresso

    Como quem, vindo de países distantes fora de

    si,chega finalmente aonde sempre esteve

    e encontra tudo no seu lugar,

    o passado no passado, o presente no presente,

    assim chega o viajante à tardia idade

    em que se confundem ele e o caminho”.

    Entra então pela primeira vez na sua casa

    e deita-se pela primeira vez na sua cama.

    Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,

    cidades, estações do ano.

    E come agora por fim um pão primeiro

    sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.

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