Eugénio de Andrade

Passados os primeiros anos da infância em Póvoa de Atalaia, uma aldeia da Beira Baixa, aos oito anos acompanha a mãe para Castelo Branco e, em 1932, vão viver para Lisboa. Neste mesmo ano, termina os estudos primários que iniciara na aldeia natal.

Em 1938, envia uma carta com alguns poemas seus a António Botto, manifestando o desejo de o conhecer, momento particularmente importante, pois é nesse encontro com Botto que um amigo deste último revela a Eugénio de Andrade a poesia de Fernando Pessoa, que de imediato o fascina. Em 1942, dedicará o seu primeiro livro à memória de Fernando Pessoa. Outra influência marcante, nesses anos de formação, será a poesia de Camilo Pessanha.

É no ano de 1939 que, incitado por António Botto, publica uma plaqueta intitulada Narciso, o seu primeiro poema, ainda com o nome civil, José Fontinhas. Três anos depois é publicado o seu primeiro livro, Adolescente (já com o pseudónimo), que, apesar de ter sido bem acolhido pela crítica, seria posteriormente, por razões de ordem estética, renegado pelo autor. Esta posição estender-se-á ao seu segundo livro, Pureza, publicado em 1945. Bastante mais tarde, em 1977, numa edição de conjunto da sua obra, resgatará dez poemas daqueles dois livros, reunindo-os sob o título de Primeiros Poemas.

Em 1943, Eugénio de Andrade instala-se na cidade de Coimbra. Torna-se amigo de Afonso Duarte, Carlos de Oliveira, Eduardo Lourenço e Miguel Torga; publica, em 1946, uma Antologia Poética de García Lorca. Regressa a Lisboa no final desse mesmo ano e, em 1947, ingressa no funcionalismo público. Publica em 1948 aquele que viria a ser o seu livro de consagração e o mais reeditado dos seus textos: As Mãos e os Frutos. Por essa altura faz amizade e convive com outros poetas como Mário Cesariny e Sophia de Mello Breyner Andresen.

Fixa residência no Porto em 1950, onde desempenhará as funções de inspetor dos Serviços Médico-Sociais até 1983, quando se reforma. Em 1956 morre a mãe, figura central na sua poesia, em cuja memória publica, dois anos depois, o livro Coração do Dia. Datam dos anos 50 os contactos pessoais com alguns poetas espanhóis e a amizade com Teixeira de Pascoaes e Jorge de Sena. Além dos títulos já mencionados, publica As Palavras Interditas no ano de 1951; Até Amanhã, em 1956, e Mar de Setembro, em 1961.

É de assinalar um grande interregno na sua produção poética após a publicação de Ostinato Rigore (1964); só no final de 1971 dá à estampa novo volume de poemas: Obscuro Domínio.

Os últimos livros (Ofício de Paciência, 1994; O Sal da Língua, 1995; Pequeno Formato, 1997; Os Lugares do Lume, 1998; Os Sulcos da Sede, 2001) confirmam a busca de uma linguagem transparente face ao real quotidiano.
A obra poética de Eugénio de Andrade encontra-se traduzida em diversas línguas (a seguir a Pessoa é o poeta português mais traduzido).

Eugénio de Andrade foi igualmente um notável prosador. Publicou três livros em prosa: Rosto Precário (1979), Os Afluentes do Silêncio (1968), À Sombra da Memória (1993).

Em 1976, Eugénio de Andrade publica História da Égua Branca, uma narrativa para crianças e em 1986 é publicada a obra Aquela Nuvem e Outras (1986), pequeno volume que agrupa um conjunto de poemas dedicados ao afilhado, Miguel, que foram sendo escritos à medida que este ia crescendo.

A sua bibliografia inclui poemas e textos dramáticos de Lorca, uma tradução das Cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado, uma edição de Poemas e Fragmentos de Safo, e um livro com o título: Trocar de Rosa, que reúne traduções de poetas contemporâneos.

O poeta organizou também diversas antologias, muitas delas de considerável êxito editorial, como foi o caso da Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, publicada em 1999; na fase final, organizou outra antologia Poemas Portugueses para a Juventude, publicada no ano de 2002.

Em 1994, deixa a morada na Rua Duque de Palmela, onde viveu durante décadas, e passa a viver numa casa, apoiada pela Câmara do Porto, onde funciona hoje uma Fundação com o seu nome. Foi nesta casa, no Passeio Alegre, na Foz do Douro, que faleceu em 13 de junho de 2005._

Para aceder à bibliografia, clique aqui.

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Urgentemente

É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

                      in Até Amanhã

Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal…

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

                             in Os Amantes Sem Dinheiro

Os Amigos

Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

                          in Coração do Dia 

 

Maria José Leite

Um comentário para “Eugénio de Andrade”

  1. Mais um excelente artigo! e, mais uma vez um momento de introspeção que valeu bem o dia.

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