David Mourão-Ferreira

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Licenciado em Filologia Românica em 1951, foi professor do ensino técnico e do ensino liceal e, em 1957, iniciou a sua carreira de professor universitário na Faculdade de Letras de Lisboa.

Afastado desta atividade entre 1963 e 1970, por motivos políticos, foi professor catedrático convidado da mesma instituição a partir de 1990. Entretanto, mantivera nos anos 60 programas culturais de rádio e televisão.

Em 1963 foi eleito secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores e, já nos anos 80, presidente da Associação Portuguesa de Escritores.

Logo após o 25 de Abril de 1974, foi diretor do jornal A Capital e diretor-adjunto do jornal O Dia, entre 1975 e 1976, colaborando também no Diário Popular e O Primeiro de Janeiro.

Foi Secretário de Estado da Cultura em vários governos entre 1976 e 1978 e responsável pelo Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian a partir de 1981, dirigindo, mais tarde, a revista Colóquio/Letras, desta instituição.

A sua carreira literária teve início em 1945, com a publicação de alguns poemas na revista Seara Nova. Porém, o seu primeiro livro, A Secreta Viagem, surgiu apenas em 1950, ano em que, de parceria com António Manuel Couto Viana e Luiz de Macedo, lançou a revista literária Távola Redonda. Em 1956, o seu nome apareceu no elenco redatorial da revista Graal, onde colaborou com notas e recensões, a novela E aos Costumes Disse Nada, a peça de teatro Contrabando e um longo ensaio sobre a poesia de Vinícius de Moraes.

Autor multifacetado – poeta, crítico, ensaísta, contista, novelista, romancista, cronista, dramaturgo, tradutor, conferencista – a sua poesia caracteriza-se pelas presenças constantes da figura da mulher e do amor, e pela busca deste como forma de conhecimento, sendo considerado como um dos poetas do erotismo na literatura portuguesa.

David Mourão-Ferreira é uma referência da história da literatura e da cultura do século XX. A ele se deve, entre outras iniciativas, a criação do Museu Nacional de Literatura, no Porto. O seu primeiro romance, Um Amor Feliz (1986), foi galardoado com o Grande Prémio de Ficção da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio Cidade de Lisboa, o Prémio Pen Clube e Prémio D. Dinis, da Casa de Mateus. Foi também um divulgador de poesia, tendo publicado vários artigos em jornais e tendo participado nas Tardes Poéticas do Teatro Nacional. A sua excelência de comunicador foi exposta em programas de televisão como Vinte Poetas Contemporâneos ou Imagens da Poesia Contemporânea.

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Escada sem corrimão

É uma escada em caracol
E que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
Mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos,
Mais estragados estão,
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Corre-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
A escada sem corrimão.

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Nós temos cinco sentidos

Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio de asas.
– Como quereis o equilíbrio?

 

(…) Como se pode interpretar de outro modo esse velho lugar-comum de ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro? Só se em todos os casos se tratar de grandes e inevitáveis actos de amor: com a Mulher, com a Terra, com a Língua. Mas de plantar árvores e ter filhos haverá sempre muita gente que se encarregue. De destruir árvores também; de estragar filhos igualmente. Em compensação, um livro, um livro que viva, multiplicado, durante alguns anos ou alguns séculos, e que depois vá morrendo, sem ninguém dar por isso, mas nunca de uma só vez, até ser enterrado na maior discrição ou até se ver de súbito renascido, inesperadamente ressuscitado, um livro com semelhante destino – luminoso por mais obscuro, obscuro por mais luminoso -, isto é que foi sempre o que me empolgou.

David Mourão-Ferreira, in Um Amor Feliz

 

Maria José Leite

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