Antero de Quental

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Poeta, filósofo e político, Antero de Quental iniciou os seus estudos em Ponta Delgada, mudando para Coimbra aos 16 anos, onde estudou Direito e fundou a “Sociedade do Raio”, que pretendia transformar o país através da literatura.

Em 1861, publicou os seus primeiros sonetos, seguindo-se “Odes Modernas”.

Em 1865, surge a “Questão Coimbrã”, também conhecida como a “Questão do Bom Senso e Bom Gosto”, uma das mais importantes polémicas literárias portuguesas e a maior em todo o século XIX, desencadeada por um grupo de jovens intelectuais que vinham reagindo contra a degenerescência romântica e o atraso cultural do país e na qual Antero tem um papel preponderante.

A polémica começa em outubro de 1865, com António Feliciano de Castilho a criticar a moderna escola de Coimbra e a sua poesia ininteligível, ridicularizando o seu aparato filosófico e os seus novos modelos literários numa referência às teorias filosóficas e poéticas expostas nos prefácios a “Visão dos Tempos” e “Tempestades Sonoras”, ambas de 1864, de Teófilo Braga, e em “Odes Modernas”, de Antero de Quental .

Sentindo-se visado, Antero de Quental respondeu-lhe violentamente com o panfleto “Bom Senso e Bom Gosto, carta ao Ex.mo. Sr. António Feliciano de Castilho”, em que definiu “a bela, a imensa missão do escritor” como “um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda incorruptível das ideias, dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras”, que exige, por um lado, uma alta posição ética, por outro lado, uma total independência de pensamento e de carácter. Numa clara alusão a Castilho, Antero repudiava a poesia que cultiva a “palavra” em vez da “ideia“; a poesia decorativa dos “enfeitadores das ninharias luzidias“; a poesia conservadora dos que “preferem imitar a inventar; e a imitar preferem ainda traduzir“; em suma, a poesia que “soa bem, mas não ensina nem eleva“. Estavam marcadas as posições: de um lado os intelectuais conservadores, do outro a nova geração, aberta às novas correntes europeias. Seguiram-se “Bom Senso e Bom Gosto, folhetim a propósito da carta…”, de Pinheiro Chagas, em defesa de Castilho, e, do lado dos coimbrões, os folhetos “Teocracias Literárias”, de Teófilo Braga, e “A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais”, de Antero. Neste último, Antero repudiava uma vez mais “as literaturas oficiais, governamentais, subsidiadas, pensionadas, rendosas, para quem o pensamento é um ínfimo meio e não um fim grande e exclusivo” e preconizava uma literatura que “se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espíritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço onde se há de receber esse misterioso filho do tempo – o futuro“.

Em 1866 foi viver em Lisboa, onde trabalhou como tipógrafo, profissão que exerceu também em Paris, entre janeiro e fevereiro de 1867.

 De regresso a Lisboa, em 1868, formou o grupo Cenáculo, de que fizeram parte, entre outros, Eça de Queiroz, Abílio de Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão.

 Foi um dos fundadores do Partido Socialista Português.

 Em 1869, fundou o jornal A República, com Oliveira Martins. Com José Fontana, em 1872, passou a editar a revista O Pensamento Social. Colaborou igualmente em diversas outras publicações periódicas, nomeadamente, Branco e Negro (1896-1898), Contemporânea (1915-1926), A imprensa (1885-1891) e O Thalassa (1913-1915).

Em 1873 herdou uma quantia considerável de dinheiro, o que lhe permitiu viver dos rendimentos dessa fortuna. Em 1879 mudou-se para o Porto e, em 1886, publicou aquela que é considerada a sua melhor obra poética, “Sonetos Completos”, com características autobiográficas e simbolistas.

Em 1880, adotou as duas filhas do seu amigo, Germano Meireles, que falecera em 1877.

Em Setembro de 1881, por razões de saúde e a conselho do seu médico, foi, viver para Vila do Conde, onde fixou residência até Maio de 1891, com pequenos intervalos nos Açores e em Lisboa. O período em Vila do Conde foi considerado pelo poeta o melhor período da sua vida: “Aqui as praias são amplas e belas, e por elas me passeio ou me estendo ao sol com a voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos adoradores da luz.”

Em 1890, devido à reação nacional contra o ultimato inglês, de 11 de janeiro, aceitou presidir à Liga Patriótica do Norte, mas a sua existência foi breve.

Quando regressou a Lisboa, em maio de 1891, instalou-se em casa da irmã, Ana de Quental.  Sofrendo de distúrbio Bipolar, o seu estado de depressão acentuou-se nesta altura.

Em junho de 1891, regressou a Ponta Delgada, suicidando-se no dia 11 de setembro de 1891, com um ou dois tiros, num banco de jardim junto ao Convento da Esperança.

 

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Divina Comédia

Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: — «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inestinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
N’um turbilhão cruel e delirante…

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: — «Homens! por que é que nos criastes?»

                                                                                                                                                                                             

Idílio

Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,

Colher nos vales lírios e boninas,

E galgamos dum fôlego as colinas

Dos rocios da noite inda orvalhadas;

 

Ou, vendo o mar das ermas cumeadas

Contemplamos as nuvens vespertinas,

Que parecem fantásticas ruínas

Ao longo, no horizonte, amontoadas:

 

Quantas vezes, de súbito, emudeces!

Não sei que luz no teu olhar flutua;

Sinto tremer-te a mão e empalideces

 

O vento e o mar murmuram orações,

E a poesia das coisas se insinua

Lenta e amorosa em nossos corações.

 

                                                               in “Sonetos”    

 

MJLeite

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