Cesário Verde

foto_cesario_verde

O pai, José Anastácio Verde, abastado burguês, ocupava-se da sua loja de ferragens, na Rua dos Fanqueiros, números 2 a 12 (onde atualmente se encontra uma agência bancária) e dedicava-se também à lavoura numa quinta em Linda-a-Pastora, a cerca de dois quilómetros da capital, propriedade da família desde 1797.

Foi nesta quinta que Cesário passou grande parte da sua infância, juntamente com os seus três irmãos, Júlia, Joaquim e Jorge, e aí se refugiou por diversas vezes ao longo da sua vida.

Ignora-se onde Cesário Verde fez o curso de instrução primária e também nada se sabe relativamente aos seus estudos secundários, conjeturando-se que terá começado a trabalhar na loja ainda criança, visto ser o mais velho dos irmãos. Sabe-se, sim, que tinha dezassete anos quando, em 1872, começou oficialmente a trabalhar na loja do pai, como correspondente comercial. Com apenas vinte e quatro anos, substitui o pai na direção da firma, alargando os negócios. Em 1883, viaja até Paris para tentar assinar um contrato de exportação de vinho português. Apesar de poeta, desde a década de 70 que Cesário estava profundamente envolvido no universo dos negócios.

Em Outubro de 1873, Cesário Verde matriculou-se no Curso Superior de Letras, mas não se apresentou aos exames finais nem voltou a inscrever-se. Segundo Silva Pinto, um dos jovens intelectuais que aí conheceu e que ficou seu amigo “para a vida e para a morte”, Cesário matriculara-se no curso “em homenagem às letras”, mas foi tal a deceção sofrida que abandonou o curso.

No mesmo ano, começa a publicar os primeiros poemas no “Diário de Notícias”, onde é apresentado como um moço quase imberbe, ingénuo,cheio de aspirações. Todavia os seus poemas não foram bem recebidos pelos leitores que, habituados ao sentimentalismo romântico, detestaram aqueles versos sobre a realidade quotidiana da cidade e do campo; mesmo os escritores da geração realista (Ramalho Ortigão, Teófilo Braga e Fialho de Almeida, que viriam posteriormente a admirar a sua obra) começaram por lhe fazer críticas demolidoras.

Sem perder o ânimo, continua a escrever e a conviver com alguns amigos ligados às letras, como o poeta Gomes Leal, Macedo Papança (Conde de Monsaraz) e sobretudo Silva Pinto, o seu colega de faculdade e amigo até à morte. A partir de 1881, convive com os artistas do “Grupo do Leão”, a tertúlia do restaurante “Leão de Ouro”, na Rua do Príncipe.

Da sua vida sentimental nada ficou registado, mas alguns dos seus biógrafos referem uma ligação turbulenta com a atriz Tomásia Veloso.

Numa carta que em 1877 escreve ao seu amigo Macedo Papança, Cesário queixa-se de problemas de saúde. Como em muitos lares daquele tempo, a tuberculose entrara também na casa da família Verde (a sua irmã Júlia morrera, em abril de 1872, com dezanove anos, e, dez anos mais tarde, a mesma doença vitimaria o irmão Joaquim, com apenas vinte e cinco anos).

Com uma visão plástica do mundo, deambulou pela cidade e pelo campo (seus cenários de eleição) transmitindo o que aí era oferecido aos sentidos, em cores, formas e sons, de acordo com o que expressa em carta ao seu amigo Silva Pinto: «A mim o que me rodeia é o que me preocupa». A supremacia exercida pela cidade sobre o campo leva-o a tratar estes dois espaços em termos dicotómicos. O contacto com o campo na sua infância determina a visão que dele nos dá e a sua preferência. Ao contrário de outros poetas anteriores, o campo não é paradisíaco, bucólico, propício ao devaneio poético, mas antes um espaço real, concreto, autêntico, um espaço de vitalidade, de alegria, de beleza, de vida saudável… Na cidade, o ambiente físico, cheio de contrastes, apresenta ruas esburacadas, casas apalaçadas, quintalórios velhos, edifícios cinzentos e sujos… O ambiente humano é caracterizado pelos calceteiros, cuja coluna nunca se endireita, pelos padeiros cobertos de farinha, pelas vendedeiras enfezadas, pelas engomadeiras tísicas, pelas burguesinhas, … evidenciando a capacidade de Cesário Verde em trazer para a poesia o real quotidiano do homem citadino.

Deambulando pelos dois espaços, depara com dois tipos de mulher, que estão articulados com os locais. A cidade maldita surge associada à mulher fatal, frívola, calculista, madura, destrutiva, dominadora, sem sentimentos. Em contraste com esta mulher, surge a mulher frágil, terna, ingénua e despretensiosa presente no poema “A Débil”, o oposto das esplêndidas aristocráticas, presentes em “Deslumbramentos” e “Vaidosa”. A mulher do campo é-nos mostrada numa perspetiva diferente. A vendedora em “Num Bairro Moderno”, ou a engomadeira em “Contrariedades” mostram as características da mulher do povo no campo. Sempre feias, pobres e por vezes doentes, ou em esforço físico, as mulheres trabalhadoras são objeto da admiração de Cesário.

Se se tiver em conta o interesse pela captação do real, se considerarmos o tipo de cena pelas quais o poeta optou, os seus quadros e figuras citadinos, concretos, plásticos e coloridos, é fácil detetar a afinidade com o Realismo, descobrindo-se igualmente a ligação aos ideais do Naturalismo, na medida em que o meio surge como determinante dos comportamentos, e a sua aproximação aos impressionistas que captam a realidade já filtrada pelas perceções.

Lutando contra a falta de saúde há já algum tempo, é a partir de 1884 que a tuberculose progride e o poeta é forçado a procurar os ares do campo, refugiando-se na sua quinta em Linda-a-Pastora, depois em Caneças e, por fim, no Lumiar, onde morre.

Só em 1887 foi organizada, postumamente, por iniciativa do seu amigo Silva Pinto, uma compilação dos seus poemas, a que deu o nome de O Livro de Cesário Verde (à disposição do público em geral apenas em 1901).

De tarde

Naquele «pic-nic» de burguesas,

Houve uma coisa simplesmente bela,

E que, sem ter história nem grandezas,

Em todo o caso dava uma aguarela.

 

Foi quando tu, descendo do burrico,

Foste colher, sem imposturas tolas,

A um granzoal azul de grão-de-bico

Um ramalhete rubro de papoulas.

 

Pouco depois, em cima duns penhascos,

Nós acampámos, inda o sol se via;

E houve talhadas de melão, damascos,

E pão de ló molhado em malvasia.

 

Mas, todo púrpuro, a sair da renda

Dos teus dois seios como duas rolas,

Era o supremo encanto da merenda

O ramalhete rubro das papoulas.

 

Leia outros poemas aqui.

 

MJLeite

Enviar