Valter Hugo Mãe

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Nascido em Angola, passou a infância em Paços de Ferreira e vive atualmente em Vila do Conde. É licenciado em Direito e pós-graduado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea.

Cofundador da Quasi edições, publicou obras de Mário Soares, Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto, Manoel de Barros, António Ramos Rosa, Artur do Cruzeiro Seixas, Ferreira Gullar, Adolfo Luxúria Canibal e muitos outros.Codirigiu a revista Apeadeiro, de 2001 a 2004, e em 2006 fundou a editora Objecto Cardíaco.

Para além da escrita, tem-se dedicado ao desenho, com uma primeira exposição individual inaugurada em maio de 2007, na Galeria Símbolo, no Porto, e à música, estreando-se, em janeiro de 2008, no Teatro do Campo Alegre, no Porto, como vocalista da banda Governo, que criou com Miguel Pedro e António Rafael, do grupo Mão Morta. (A música sempre foi muito importante para mim. Estou sempre muito atento às novas coisas. Sou muito viciado em muitas latitudes musicais: da erudita ao jazz, gosto muito de jazz, ao rock indie, metal. Não há nada que eu deixe de fora.)

Os quatro primeiros romances de Valter Hugo Mãe são conhecidos como a “tetralogia das minúsculas”, porque escritos integralmente sem letras maiúsculas, o nome do autor incluído. A regra de escrever só em minúsculas foi entretanto abolida, tanto nos textos como no nome. Não deixei de acreditar no que acreditava, explica, mas ficaria muito frustrado se ao fim de alguns anos, ou eventualmente no fim da minha vida, as pessoas me reduzissem ao indivíduo das minúsculas. Terá havido algum cansaço, já que Em cada país onde sou publicado, obrigam-me a justificar outra vez esta minha opção, como se eu tivesse inventado a pólvora. Não inventei. Antes de mim, já outros faziam isto. E eu ‘roubei’ a ideia ao Al Berto. Quando sonhei ser poeta, sonhei ser como o Al Berto.

Em 2007 atingiu o reconhecimento público com a atribuição do Prémio Literário José Saramago, durante a entrega do qual o próprio José Saramago considerou o romance “o remorso de baltazar serapião” um verdadeiro “tsunami literário”: Por vezes, tive a sensação de assistir a um novo parto da Língua portuguesa.Tem em casa uma estatueta do Nobel da Literatura: Adoro artesanato figurado. O Saramago foi por causa do prémio. O prémio não tem estatueta e o que aconteceu é que numa loja no Porto encontrei estatuetas, uma série limitada. Foram caras, mas achei que devia ter o Óscar em casa. Ele está numa espécie de altar e todos o acarinham. E como é carequinha como eu, passamos-lhe a mão e fazemos-lhe festinhas para ver se dá sorte. Estou convencido de que dá.

Foi ainda distinguido com o Prémio Almeida Garrett, 1999; o Grande Prémio Portugal Telecom de Literatura Melhor Livro do Ano, São Paulo, em 2012; o Grande Prémio Portugal Telecom de Literatura Melhor Romance do Ano, São Paulo, 2012.

Desde o fim de 2012 apresenta um programa semanal de entrevista no Porto Canal, convidando uma personalidade ligada à cultura.

Sobre a sua última obra, “A Desumanização” (Estou apaixonado pelo meu novo livro. Durmo com ele na cama.), quando perguntado sobre o porquê da palavra desumanização, respondeu É uma palavra forte que de certa forma me incomoda. Gosto sempre de lidar com alguma coisa que me desarrume um pouco. A desumanização é algo que acontece à nossa frente com a qual não podemos fazer nada, parecemos impotentes no processo de deixarmos de ser gente. Interessa-me muito o seu lado poderoso, digamos assim.

 

Consulte a bibliografia aqui.

 

Se ainda não leu (e leia!), aqui fica um breve trecho de “As mais belas coisas do mundo”.

O meu avô sempre me dizia que a melhor parte da vida haveria de ser ainda um mistério e que o importante era viver procurando. Eu sei hoje que ele queria dizer que a cada um de nós cabe fazer um esforço para ser melhor, fazer melhor, cuidar melhor de nós próprios e dos outros. A cada cabe a obrigação de cuidar do mundo, porque o mundo é um condomínio enorme onde todos temos casa. O meu avô tem a dizer que não devemos ficar parados à espera de que algo aconteça. A magia de estarmos vivos vem da possibilidade de fazermos acontecer…. Por causa dos mistérios, o meu avô inventava sempre motivos para me sugerir uma pesquisa, uma busca, um problema qualquer que arranjava para me pôr a pensar melhor acerca de um qualquer assunto. Umas vezes, eu tinha de desmontar as pistas que me deixava e que me levariam a um doce, a um brinquedo, a um livro ou a um novo jogo. Eu ficava tardes a resolver as perguntas e a combinar as respostas, até tantas vezes desistir de exaustão por não ser capaz de achar o resultado. Então, o meu avô esclarecia algumas das minhas dúvidas e tornava-me mais fácil a descoberta. É claro que eu ficava um bocado frustrado, mas era para me desiludir que ele o fazia, era para me mostrar como aprender é algo de progressivo. Vamos aprendendo aos bocadinhos, e vamos sabendo mais até um dia podermos mesmo aprender sozinhos, criando as nossas próprias pistas para questões que ainda nem sabemos que existem…

 

poema sobre o amor eterno

inventaram um amor eterno. trouxeram-no em braços para o

meio das pessoas e ali ficou, à espera que lhe falassem. mas

ninguém entendeu a necessidade de sedução. pouco a pouco, as

pessoas voltaram a casa convictas de que seria falso alarme, e

o amor eterno tombou no chão. não estava desesperado, nada

do que é eterno tem pressa, estava só surpreso. um dia, do

outro lado da vida, trouxeram um animal de duzentos metros e

mil bocas e, por ocupar muito espaço, o amor eterno deslizou

para fora da praça. ficou muito discreto, algo sujo. foi como um

louco o viu e acreditou nas suas intenções. carregou-o para

dentro do seu coração, fugindo no exacto momento em que

o animal de duzentos metros e mil bocas se preparava para o devorar

 

in “contabilidade”

 

Leia outros poemas e citações aqui.

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