Alice Vieira

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       Devo a minha paixão pela literatura a todas as coisas más que li na juventude, uma vez que me davam vontade de ler mais. Os livros maus fazem com que, mais tarde, consigamos distinguir o que é bom do que é mau. Se um livro nos dá vontade de ler mais já cumpriu a sua missão. O mais importante é ter vontade de ler.

Estudou do 1º ao 7º ano (corresponde hoje ao 5º e 12.º ano) no Liceu Filipa de Lencastre, licenciando-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Desde cedo se dedicou ao jornalismo (Desde pequena que sempre disse “quando for grande quero ser jornalista” – e fui.), tendo trabalhado no Diário de Lisboa (onde, juntamente com o seu marido, o jornalista e escritor Mário Castrim, dirigiu o suplemento “Juvenil”, suplemento que divulgou as primeiras incursões literárias de muitos jovens talentos de então), no Diário Popular e no Diário de Notícias, tendo aí coordenado a secção «Cultura / Arte e Espetáculos» e dirigido o suplemento infantil «Catraio», que contava com contribuições de alunos das escolas de todo o país, sendo responsável por uma rubrica de crítica literária infanto-juvenil, «Ler(zinho)». Trabalhou ainda durante muitos anos com a revista “Ativa” e o “Jornal de Notícias” e, presentemente, é colaboradora da revista Audácia, dos Missionários Combonianos.

Marcou presença em vários programas de televisão para crianças e é considerada uma das mais importantes escritora portuguesas de literatura infanto-juvenil, com as suas obras a serem traduzidas para alemão, búlgaro, castelhano, galego, catalão, francês, húngaro, holandês, russo, italiano, chinês e servo-croata.

Procurando temas para alguns dos seus livros na História de Portugal, a sua escrita ficcional para crianças e adolescentes tem alternado, desde então, entre narrativas inspiradas na História (“Promontório da Lua”), textos sobre temas da atualidade (o apelo ao consumo, a influência da televisão na educação infantil , entre outros), os problemas do quotidiano juvenil como a amizade, a solidão, as relações familiares, as relações entre crianças e adultos (“Os olhos de Ana Marta”) ou ainda a infância em diálogo com a velhice (“Às dez a porta fecha” e “Um fio de fumo nos confins do mar”).

Considera-se uma escritora urbana, decorrendo as suas narrativas sobretudo no ambiente social da classe média lisboeta e baseiam-se na realidade observada de perto, no contacto com autores e jovens leitores em escolas e bibliotecas públicas.

Em 1984, recebeu por “Este Rei que eu escolhi” o Prémio de Literatura para Crianças / Melhor Texto do Biénio (1983-1984) da Fundação Calouste Gulbenkian. Dez anos mais tarde foi candidata ao Prémio Hans Christian Andersen da IBBY (International Board on Books for Young People), tendo o seu livro “Os olhos de Ana Marta” sido escolhido para a lista de honra; foi de novo candidata ao mesmo prémio em 1998. Em 1996, foi-lhe atribuído, pelo conjunto da sua obra, o Grande Prémio de Literatura para Crianças da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1992 e 1998 as traduções de “Rosa, minha irmã Rosa” e “Os olhos de Ana Marta”, respetivamente, foram nomeadas para o «Deutscher Jungendliteraturpreis» (Prémio Alemão de Literatura para a Juventude).

Ao longo das últimas três décadas a escritora publicou mais de quatro dezenas de livros. Apesar de apenas há dois anos se ter aventurado na poesia, a escritora confessa que sempre escreveu este género literário. “Sou muito crítica em relação a tudo o que escrevo, mas com a poesia sou muito mais. Talvez por isso, escreva muita poesia mas publique muito pouco”. O seu “receio” de publicar poesia era tal que decidiu enviar os seus poemas para o concurso Maria Amália Vaz de Carvalho sob pseudónimo, tendo vencido. “Quando ganhei ninguém acreditou que era eu a autora porque a maioria não sabia que também me dedicava à poesia”.

“Dois corpos tombando na Água” foi o primeiro livro de poesia que editou em 2007, publicando em 2009 “O que dói às aves” e, recentemente, em 2014, “Os Armários da Noite”.

Escreve tudo diretamente no seu computador ou na máquina de escrever, exceto a poesia. Tudo o que seja poesia é escrito à mão. “Não consigo explicar por que isto acontece. Acho que sou outra pessoa quando escrevo poesia. É quase qualquer coisa que me acontece como se me fosse ditado”, explica.

 

Consulte aqui a bibliografia.

 

Desenho


No papel branco
desenharei um Sol
bem amarelo
e no alto dum monte
um enorme castelo
entre campos lavrados
e povoarei a terra
de cavaleiros e de soldados.

Às nuvens darei
a forma de gente
(e haverá quem pense
que são gente a sério…) e ouvir-se-á
pela noite fora
os uivos dos lobos
até vir a aurora

que desfará o medo
e o mistério…

in Rimas Perfeitas, Imperfeitas e Mais-que-Perfeitas

 

Sempre amei por palavras muito mais
do que devia

são um perigo
as palavras

quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada

e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos

um perigo
as palavras

mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero

                                                                 in O que Dói às Aves

 

Leia aqui outros poemas da autora.

 

MJLeite

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