Miguel Sousa Tavares

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              “«Já é tempo de passar das palavras à acção!» – como se as palavras             não fossem uma forma de acção!”

Filho do advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares e da escritora Sophia de Mello Breyner Andresen, licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa e foi na capital que passou a infância e a juventude.

Durante mais de uma década foi advogado em Lisboa.

Estreou-se no jornalismo em 1978, ano em que iniciou a sua colaboração na Radiotelevisão Portuguesa. Em 1989 participou na fundação da revista semanal Grande Reportagem, sendo diretor da versão trimestral, entre 1990 e 1991, e da versão mensal, iniciada em outubro de 1991, até 1999. Em 1990 começou a colaborar no Público, onde publicou uma crónica semanal até 2002. Ao mesmo tempo, estendeu a sua colaboração ao desportivo A Bola, à revista Máxima e ao informativo online Diário Digital.

Colaborou em vários programas de televisão, com destaque para “20 anos, 20 nomes”, em 1994, na SIC, uma série de vinte entrevistas com protagonistas da história portuguesa recente. Na mesma estação, apresentou, durante um pequeno período, o Jornal da Noite. Em 1998, terá sido convidado para o cargo de diretor-geral da RTP, tendo recusado. Depois de uma passagem pela TVI, regressou à SIC com Sinais de Fogo, um programa semanal de comentário político, sendo atualmente comentador residente, às terças-feiras, no Jornal da Noite.

Das suas incursões literárias resultaram compilações de crónicas, vários romances, livros de contos e obras infantis.

“Equador”, o seu romance de estreia, publicado em 2004, está traduzido em mais de uma dezena de línguas, vendeu já mais de 400 mil exemplares e em 2008 foi adaptado para televisão, na maior produção nacional de sempre. Nas palavras do autor, O “Equador” foi uma aposta pessoal (era um sonho muito antigo), profissional e financeira (larguei o trabalho onde estava e vim para casa escrever o livro). Demorei três anos e tal a escrevê-lo. Sem saber se no fim estava arruinado, se tinha sucesso, se tinha de voltar a procurar emprego. O “Equador” demonstrou-me que podia viver de escrever e que tinha valido a pena.

O romance “Rio das Flores”, em 2007, teve uma primeira tiragem de 100 mil exemplares.

Da sua atividade cívica, refiram-se a integração na Direção do Movimento Portugal Único, em 1998, defensor do «não» num referendo sobre a regionalização administrativa. Em 2009 contestou publicamente o prolongamento do terminal de Alcântara, numa concessão polémica à construtora Mota Engil. Recentemente, envolveu-se no movimento “Não TAP os Olhos”, que reivindica que a companhia aérea nacional permaneça nas mãos do Estado.

Atualmente é colunista semanal do jornal Expresso e mantém a crónica n’ A Bola, onde se evidencia como adepto do Futebol Clube do Porto.

Miguel Sousa Tavares é um conhecido opositor ao Acordo Ortográfico de 1990, tendo os seus livros no Brasil sido grafados e impressos com a ortografia europeia do português antes do dito acordo.

Prémios

– Prémio pela reportagem “Hoje aqui, amanhã no Corvo”, 1998;

– Prémio Grinzane Cavour, para o melhor romance estrangeiro editado em Itália, Itália,
_2006, com “Equador”;

– Prémio Clube Literário do Porto, 2007;

– Prémio de Jornalismo e Comunicação Vitor Cunha Rego, 2007;

– Prémio Branquinho da Fonseca, 2008.

Consulte aqui a bibliografia.

 

       E escrevi o teu nome e o teu número de telefone numa página da agenda do mês de Fevereiro. E, ao escrevê-lo, sabia que era uma despedida, nós todo o mês de Março nos arrastámos na despedida, como os caranguejos na maré vazia. Sem ti, lancei outras raízes, construí pátios e terraços, fontes cujo som deveria apagar todos os silêncios, plantei um pomar com cheiro a Damasco, mandei fazer um banco de cal à roda de uma árvore para olhar as estrelas no céu, um caminho no meio do olival por onde o luar pousaria à noite, abóbadas de tijolo imaginadas pelo mais sábio dos arquitectos e até as teias de aranha suspensas no tecto, como se vigiassem a passagem do tempo. Nada disso tu viste, nada te contei, nada é teu. Sozinhos, eu e a aranha pendurada na sua teia, comtemplámo-nos longamente, como quem se descobre, como quem se recolhe, como quem se esconde. Foi assim que vi desfilar o tempo, as paredes escurecendo, um pó de tijolo pousando entre as páginas dos mesmo livros que fui lendo, repetidamente. Nicholas Sparks destroçados pela minúcia do tempo.

       Como explicar-te como tudo isto se te tornou alheio, como tudo te pareceria agora estranho, como nada do que foi teu vigia o teu hipotético regresso? Ulisses não voltará a Ítaca e Penélope alguma desfará de noite a teia que teceste.

     E arranquei a página da agenda com o teu nome e o teu número de telefone. Veio a seguir Abril e depois o Verão. Vi nascer a flor da tremocilha e das buganvílias, vi rebentar o azul dos jacarandás en Junho, vi noites de lua cheia em que todos os animais nocturnos se chamavam rãs, corujas e grilos, e um espesso calor sobre a devassidão da cidade. E já nada disto, juro, era teu.

     E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que façam para o deter.

     Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes parámos, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.

 E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com o cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.

texto de Miguel Sousa Tavares sobre a morte da mãe, Sophia de Mello Breyner, em Domus Mater News de Out-Dez 2004

 

Leia aqui outros textos do autor.

 

MJL

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