Miguel Esteves Cardoso

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“Para termos uma noção do pouco que valemos, basta subtrair ao que somos o que aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros. É só ver o que fica. Coisa pouca. Sozinho quase ninguém é quase nada. É somente juntos que podemos ser alguma coisa.

Miguel Esteves Cardoso, também, ou mais, conhecido como MEC cresceu no seio de uma família da classe média-alta lisboeta. O pai, Joaquim Carlos Esteves Cardoso, oficial da Marinha, com ascendência judaica, e a mãe, Hazel Diana Smith, nascida em Inglaterra, deram-lhe uma educação privilegiada. O facto de ser bilingue deu-lhe uma espécie de visão distanciada de Portugal e dos portugueses.

Aluno brilhante, fez estudos superiores no Reino Unido. Em 1979, na Universidade de Manchester, licenciou-se em Estudos Políticos, prosseguindo o doutoramento em Filosofia Política, obtido em 1983, com uma tese que relacionava a saudade e o Sebastianismo no Integralismo Lusitano.

Em 1982, no regresso a Portugal, entrou para o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, como investigador auxiliar. Foi ainda professor auxiliar de Sociologia Política no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, cofundador do Gabinete de Filosofia do Conhecimento, visiting fellow do St. Antony’s College, em Oxford, e fez um pós-doutoramento em Filosofia Política.

Trabalhou em vários jornais, do já desaparecido Sete, ao JL, passando pelo Diário de Notícias, pelo Expresso, pela, em 1988, abandonou a carreira académica, para fundar, com Paulo Portas, o semanário O Independente, que pretendia revolucionar o jornalismo português e onde teve como colaboradores nomes como Vasco Pulido Valente, António Barreto, João Bénard da Costa, Maria Filomena Mónica, Agustina Bessa Luís, Pedro Ayres Magalhães, Rui Vieira Nery, entre outros. Enquanto Paulo Portas e Helena Sanches Osório faziam estremecer o governo de Aníbal Cavaco Silva, com a denúncia semanal e impiedosa de escândalos políticos, MEC ocupava-se da parte cultural, no destacável Vida. Com Paulo Portas entrevistou algumas das figuras mais marcantes da política e cultura portuguesa da altura.

Publicou vários livros, sendo o primeiro “Escrítica pop”, que reunia textos sobre música. “A Causa das Coisas”, uma compilação de textos que foram saindo no jornal Expresso, rapidamente se transformou num fenómeno de vendas, constituindo um magnífico fresco sobre Portugal dos anos 80. A partir daí, a escrita de MEC impôs-se como uma das mais originais e esclarecidas.

Na década de 1980 funda, com Pedro Ayres Magalhães, Ricardo Camacho e Francisco Sande e Castro, a Fundação Atlântica, a primeira editora portuguesa independente, produzindo discos de nomes como Sétima Legião, Xutos e Pontapés, Delfins, Paulo Pedro Gonçalves, Anamar, entre outros.

Foi ainda autor e coautor de diversos programas de rádio como Trópico de Dança, Aqui Rádio Silêncio, W, Dançatlântico e A Escola do Paraíso, todos na Rádio Comercial.

Dedicou-se também à crítica literária e cinematográfica, no Jornal de Letras, Artes e Ideias. Começou igualmente a ser presença assídua na rádio e na televisão, apresentando-se como um jovem intelectual irreverente, com intervenções desconcertantes, irónicas, … que viriam a estar na origem de polémicas com intelectuais e escritores de então.

Monárquico e antieuropeísta convicto, apresentou-se como candidato a deputado ao Parlamento Europeu, em 1987, como independente nas listas do Partido Popular Monárquico, não conseguindo a eleição.

Em 1991, deixou a direção d’O Independente para criar a revista mensal K, projeto que, não obstante a sua qualidade gráfica e colaborativa, durou apenas dois anos.

Em 1994, publicou o seu primeiro romance que foi um best-seller.

No final dos anos 90, abandonou os ecrãs televisivos, tornando-se mediaticamente invisível. Publicou mais dois romances, “A Vida Inteira” e “O Cemitério de Raparigas” e continuou a escrever crónicas em jornais.

A partir de janeiro de 2006 retomou a sua colaboração no Expresso e, desde 2009, escreve uma crónica diária no Público.

 

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                                                        A Devida Educação

       Das coisas que mais custa ver é uma pessoa inteligente e criativa, quando nos está a contar uma opinião ou um acontecimento, ser diminuída pela falta de vocabulário – ou de outra coisa facilmente aprendida pela educação.

       A distribuição humana de inteligência, graça, sensibilidade, sentido de humor, originalidade de pensamento e capacidade de expressão é independente da educação ou do grau de instrução. Em Portugal e, ainda mais, no mundo, onde as oportunidades de educação são muito mais desiguais, logo injustamente, distribuídas, é não só uma tragédia como um roubo.

     Rouba-se mais aos que não falam nem escrevem com os meios técnicos de que precisam. Mas também são roubados aqueles, adequadamente educados, que não podem ouvir ou ler os milhões de pessoas que só não conseguem dizer plenamente o que querem, porque não têm as ferramentas que têm as pessoas mais novas, com mais sorte.

     Mete nojo a ideia de a educação ser uma coisa que se dá. Que o Estado ou o patrão oferece. Não é assim. A educação, de Platão para a frente, é mais uma coisa que se tira. Não educar é negativamente positivo: é como vendar os olhos ou cortar a língua.

   O meu pai, à maneira de tantos portugueses, chorava quando dizia que Portugal só precisava de “um bocadinho de educação”. Ele pensava que a educação tinha de ser acrescentada. Eu, seguindo a lição dele, choro que tenha sido tirada. Vem dar ao mesmo. A educação é-nos devida. Quem nos paga fica a ganhar com ela.

                                                                    in Jornal Público, 05/08/2011

 

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MJL

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