Sidónio Muralha

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        “ Sempre me interessei pelas crianças e dou tudo o que de melhor tenho para dar quando escrevo para elas…Quando escrevo, vejo desfilar imagens da infância que gostaria de ter tido mas não tive, porque custava muito caro. Quero entregar às crianças de hoje o que gostaria de ter recebido. Se não lhes dou mais e melhor é porque não sei. É tudo.”

         “Nasci homem, antes de ser poeta. Minha poesia nunca trairá os homens, meus companheiros. Se eles sofrem, ela, que faz parte de mim, sofre com eles e tem movimentos de fúria e de raiva como os bichos encurralados.”

Filho do jornalista e escritor Pedro Muralha, nasceu no bairro da Madragoa, em Lisboa, e foi na capital que estudou Ciências Económicas e Financeiras, frequentando depois o curso de Administração de Empresas na Universidade de Louvain, na Bélgica.

Ainda muito jovem colaborou com revistas e publicações literárias associadas ao que viria a ser o neo-realismo português, como “Mocidade Académica” e “Solução”, movimento de que viria a ser, com Armindo Rodrigues, Joaquim Namorado, Fernando Namora, Mário Dionísio, entre outros, uma figura marcante.

Em 1941, incentivado por Bento de Jesus Caraça, publicou o seu primeiro livro de poesia, “Beco”, e no ano seguinte, com a obra “Passagem de Nível”, fez parte do chamado “Novo Cancioneiro”, coleção que reuniu obras poéticas de vários autores contestatários do regime de Salazar.

Em 1943, perseguido pela polícia política salazarista, partiu em exílio voluntário o Congo Belga, país onde chegou a ser diretor geral da multinacional Unilever.

“Quando fui para o Congo, depois de uma conferência de Bento de Jesus Caraça, acompanhado de Alexandre Cabral e perseguidos pela polícia política, conseguimos um emprego, graças ao Soeiro Pereira Gomes, nosso querido camarada e amigo, na Unilever Internacional […].Fui nomeado gerente de uma loja em Bukavu. Um dia, de repente, apareceu de Cadillac um indivíduo chamado Charles Jacquemart, o qual me perguntou que fazia eu ali como gerente, pois, como português, eu deveria estar atrás do balcão, a pesar cebola e batata e a cortar presunto. Pensei esmurrá-lo, mas isso colocar-me-ia na situação de ter de regressar a Portugal, de onde, depois, o Salazar nunca me deixaria sair. E decidi ir cortar presunto. Foram tempos difíceis e dolorosos. Então, prometi a mim mesmo arrebatar o lugar a esse diretor-geral que me havia ofendido. Segui cursos de especialização e freqentava a Universidade de Lovaina, sempre que ia de férias. Galguei setecentos e vinte lugares e, sete anos depois, estava ao lado desse diretor-geral, como diretor comercial. Quando ele foi de férias escrevi um relatório sobre as suas atitudes desumanas, em relação ao pessoal, e acerca das inúmeras irregularidades cometidas. De Londres, recebi uma carta a nomear-me diretor-geral. Lembrei, mais tarde, a esse indivíduo que os portugueses não eram para ser arremessados para trás dos balcões e ordenei-lhe que saísse imediatamente.”

De regresso a Portugal, em 1949, publicou no ano seguinte “Companheira dos Homens”, obra magistral do seu percurso poético pela clara opção por uma poesia militante e de intervenção, e ainda o seu primeiro livro de poemas para crianças “Bichos, Bichinhos e Bicharocos”, com desenhos de Júlio Pomar e músicas de Francine Benoît.

Depois de uma estadia em Bruxelas, período em que continuou a trabalhar para a Unilever, viajando constantemente pelo mundo (Guiné-Bissau, Ostende, Dakar, Londres e Paris), no início dos anos 60, chegou ao Brasil, país que viria a adoptar até ao fim da vida (“Escolhi o Brasil, sobretudo por causa da língua. Mas não acredito na existência de coisa mais trágica que o exílio.”).

Fixando-se primeiramente em São Paulo, fundou com o escritor Fernando Correia da Silva e o pintor Fernando Lemos (ambos portugueses) a Editora Giroflé, revolucionando e criando um novo padrão para as publicações dirigidas às crianças.Embora este projeto não tenha o sucesso esperado e merecido, continuou a publicar livros para crianças como “A Televisão da Bicharada”, 1962, com qual ganhou o Prémio da Bienal do Livro de São Paulo.

Em 1963 publicou “Os Olhos das Crianças”, vinte cinco poemas que falam da solidão e da miséria das crianças espalhadas pelo mundo, de garotos esfarrapados e indesejados que “fustigam o rosto da cidade.”

 

Os olhos das crianças

Atrás dos muros altos com garrafas partidas

bem para trás das grades do silêncio imposto

as crianças de olhos de espanto e de medo transidas

as crianças vendidas alugadas perseguidas

olham os poetas com lágrimas nos olhos.

Olham os poetas as crianças das vielas

mas não pedem cançonetas, mas não pedem baladas

o que elas pedem é que gritemos por elas

as crianças sem livros sem ternura sem janelas

as crianças dos versos que são como pedradas.

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Nos anos 70, regressou a Portugal, primeiro para publicitar a sua antologia de poesia Poemas (1971), depois para celebrar o Portugal libertado pela revolução dos cravos.Em 1976 recebeu o Prémio Meio Ambiente na Literatura Infantil pelo seu livro “Valéria e a Vida” e, em 1979, recebeu mais um prémio de literatura infantil, o “Prémio Portugal 79 – Livro para Crianças” pelo seu “Helena e a Cotovia”.

Em 1972, Sidónio publicou “O Pássaro Ferido”, volume que reúne muitos poemas e algumas crónicas, deambulando pelas saudades e reconhecimentos de si próprio, de cidades, de amigos.

A 8 de dezembro de 1982, faleceu em Curitiba, no Brasil, onde regressara anos antes.

Sidónio Muralha foi um dos precursores do neo-realismo português e um grande divulgador da literatura infantil, sendo considerado um dos melhores poetas para crianças de sempre em língua portuguesa.

 

Consulte aqui a bibliografia.

 

Roteiro

Parar. Parar não paro.

Esquecer. Esquecer não esqueço.

Se caráter custa caro

pago o preço.

 

Pago embora seja raro.

mas homem não tem avesso

e o peso da pedra eu comparo

à força do arremesso.

 

Um rio, só se for claro.

Correr sim, mas sem tropeço.

Mas se tropeçar não paro

– não paro nem mereço.

 

E que ninguém me dê amparo

nem me pergunte se padeço.

Não sou nem serei avaro

– se caráter custa caro

pago o preço.

 

 Leia aqui outros poemas do autor.

 

MJL

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