Maria Lamas

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Oriunda de uma família burguesa de Torres Novas, ali fez os seus estudos no Colégio Religioso Jesus, Maria, José.

Casou muito jovem, aos dezoito anos, e teve duas filhas, divorciando-se em 1920 (viria a casar-se segunda vez, em 1921, com o jornalista Alfredo da Cunha Lamas, de quem teve outra filha e de quem se separou em 1936).

A viver em Luanda, após o primeiro divórcio regressou a Lisboa onde trabalhou dois anos como diretora adjunta na Agência Americana de Informação.

Matriculou-se no Liceu Garrett, concluindo o curso geral dos liceus em 1923.

Foi professora e, em 1929, iniciou a sua carreira no jornal “O Século”, primeiro como redatora e depois como diretora do suplemento “Modas e Bordados”, onde permaneceu dezanove anos, revolucionando a linha editorial da revista e transformando-a num “movimento silencioso e subtil de transformação das portuguesas”, pouco esclarecidas quanto aos seus direitos.

Politicamente esteve ligada à Oposição Democrática durante o Estado Novo. Fez parte da direção do Movimento de União Democrática (MUD).

Sempre vigiada pela PIDE, esteve prisioneira no forte de Caxias em 1949, tendo sido presa novamente em 1953 e em 1962.

Refugiou-se na Madeira nos anos 50 e, entre 1962 e 1969, viveu em Paris como exilada política, habitando o Grand Hotel Saint-Michel, no Quartier Latin, onde desenvolveu intensa atividade política e de apoio a portugueses refugiados em oposição ao regime fascista.

Empenhada na luta pela Paz, marcou presença em vários congressos e conferências em todo o mundo. Participou na fundação da Comissão Nacional para a Defesa da Paz, em 1946, e foi membro do Conselho Mundial da Paz (CMP).

Na defesa dos direitos das mulheres dirigiu entre 1945 e 1947 o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Em 1958, em Copenhaga, participou no congresso que daria origem à Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM) e, em 1975, em Berlim, no VII da FDIM. Em 1975, foi nomeada presidente honorária do Movimento Democrático de Mulheres (MDM).

De regresso a Portugal após o exílio, com 76 anos, com a esperança de melhores dias para Portugal, viveu o 25 de Abril com a alegria de quem vê concretizados um sonho e a luta de uma vida. Aos oitenta anos, filiou-se no Partido Comunista Português.

Na sua atividade literária, contam-se as obras infantis Maria Cotovia, 1929; As Aventuras de Cinco Irmãozinhos, 1931; A Montanha Maravilhosa, 1933; Brincos de Cereja,1935; A Ilha Verde,1938. Destaque para «As Mulheres do Meu País», aquela que seria a sua obra mais importante, fruto de dois anos de viagens por todo o país e em que colaboraram com ilustrações os mais famosos intelectuais de então. Seguiram–se-lhe «A Mulher no Mundo», em 1952, e «O Mundo dos Deuses e dos Heróis», em 1961. Escreveu também poesia, “Humildes”, e romance, “Diferença de Raças, “O Caminho Luminoso”, e “Para Além do Amor”.

Entre outros galardões, recebeu o grau de oficial da Ordem de Sant’iago da Espada, em 1934; o grau de grande-oficial da Ordem da Liberdade, em1980; a Medalha Eugénie Cotton, atribuída pela Fédération Démocratique Internationale des Femmes, em 1983.

Faleceu com 90 anos, em dezembro de 1983. A sua cidade natal nunca esqueceu esta ilustre torrejana, dando o seu nome a ruas e à antiga Escola Industrial de Torres Novas, hoje Escola Secundária Maria Lamas, e a um jardim com uma escultura em homenagem à Mulher.

No estudo monográfico que lhe dedicou, a jornalista Maria Antónia Fiadeiro escreveu:

     “ O bem e a verdade. A igualdade e a felicidade. A liberdade e a justiça. A fraternidade. São valores pelos quais luta, abnegadamente. Inclui a seriedade e a sinceridade. Fala insistentemente no direito à felicidade. Quer uma sociedade mais justa, uma democracia plena, “uma política humana”. Tem fé no progresso e na humanidade. Foi uma humanista convicta. A luta pela dignificação e a emancipação da mulher, causa que sempre perseguiu, em várias frentes, inscreve-a na luta geral pelos direitos humanos. Fez da exigência intelectual uma característica específica do feminismo português. […] Maria Lamas, um nome de mulher, no mundo dos homens, uma investigadora autodidata, na história das Mulheres do Portugal contemporâneo. Uma mulher que fez história, foi uma combatente e uma lutadora resistente, que entrou na História como cidadã e que escreveu História como autora. Uma portuguesa, notável, uma cidadã europeia do século XX.”

Consulte aqui a bibliografia.

 

De repente, teve medo, sem saber de quê. Os seus olhos não podiam acreditar no que viam. Estava num país encantado, com certeza! E por pouco não gritou. Com as mãos fincadas no parapeito da janela, queria ver bem e, ao mesmo tempo, tinha vontade de fugir! Que lindeza! Debruçou-se o mais que pôde, e não se cansava de olhar. Era o mar, todo em ondas de espuma, um mar maravilhoso, diferente do outro, que ele vira em Cascais e na Praia das Maças. Este estava muito quieto, como se estivesse adormecido, e não fazia o mais leve rumor. A um lado, havia um clarão doirado e cor de carmim, que se fazia cada vez maior, iluminando o céu e a espuma domar, como se alguém tivesse acendido uma fogueira encantada sobre as ondas. A Lua e as estrelinhas começavam a sumir-se. O clarão aumentava sempre, a espalhar-se pelo céu e sobre aquele mar misterioso e deslumbrante. […] De repente, viu surgir, entre a claridade que parecia feita de oiro reluzente, uma bola vermelha como uma brasa viva, uma bola enorme, que resplandecia com um brilho tão forte que os seus olhos não o puderam suportar! Desviou a cabecita, estonteada. Estremeceu. Uma sombra escura, muito comprida, avançava rapidamente, mesmo rente ao cocuruto dos montes altíssimos que se erguiam do outro lado da casa e que ficavam em frente da grande fogueira que se acendera no céu. Parecia, tal e qual, o Zeppelin que ele vira passar em Lisboa. O Cadocha julgou ouvir, até, o ruído do motor. Afinal era uma nuvem […] Entretanto a grande bola luminosa continuava a subir e fizera-se mais pequena. Já não se viam as estrelas, e alua mal se distinguia. A claridade enchia todo o céu! Mas…era o sol! Era o Sol, que acabava de nascer! Compreendia finalmente! O que ele não sabia explicar era aquele mar imenso, que tanto podia ser espuma como de algodão em rama, e do qual subiam, agora, aqui e ali, uns penachinhos de fumo muito branco, muito leve.

                                                                                     in A Montanha Maravilhosa

MJL

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