Ilusões *

O mundo vai andando cego, se não cego, desencontrado. Pois que é o mundo se não aquilo que cada Homem vê? Mas se os olhos são, ainda que variados em cor, todos iguais, porque vê cada Homem tão diferente? Apenas porque o vê, não com os olhos, mas com a mente. E se vê o mundo com a mente, apenas pode sentir com a imaginação.

Sentindo com a imaginação, o amor não é mais que fantasia prometida mas nunca alcançada. Face a tal desastroso problema, não há solução que se possa tomar. Ou se espera pelo imaginado materializado, e que longa espera será, ou, para os mais impacientes, se toma aquilo que há, imaginado o que falta. Sendo sempre o imaginado mais atraente que o real, não é espanto que o mundo se iluda a si próprio. Ilude-se um homem a si e aos outros e estes a eles e aos restantes.

Quanto ao que espera pelo imaginado, ao fim da sua longa espera, não lhe está reservado qualquer achado. Vendo uma materialização do sonho, e impaciente pela longa espera, lança-se à musa idealizada e ele mostra-se, como as outras, nada daquilo que se imaginou. O mundo ilude-se a si próprio e quem melhor é a iludir, melhor é a fingir aquilo que não é. Nunca, no entanto, se chega ao fingimento completo e quando a máscara cai, cai o sonho imaginado com ela.

Ao sonho, que tantos amam mais do que o mundo, não se deve pedir mais do que ele dá: Sonhos. E ao mundo, não sendo este assim tão diferente do sonho não se pede mais do que aquilo que ele não dá: O sonho real.

Quantos aos Homens que pela vida se vão deixando iludir: melhor que o sonho imaginado, no mundo não há e mais vale amar um sonho do que nada amar. Mais vale amar sonhando do que viver não sentindo.

Miguel Marôco, 11.º C (E. S. Sta. Maria)

*Inspirado no texto do Padre António Vieira:

Os homens não amam aquilo que cuidam que amam. Por quê? Ou porque o que amam não é o que cuidam; ou porque amam o que verdadeiramente não há. Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros; quem ama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama, e não defeitos. Cuidais que amais diamantes de firmeza, e amais vidros de fragilidade: cuidais que amais perfeições Angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo os homens não amam o que cuidam que amam. Donde também se segue que amam o que verdadeiramente não há; porque amam as coisas, não como são, senão como as imaginam, e o que se imagina, e não é, não o há no mundo.

Padre António Vieira, in Sermões

Shakuntala, Camille Claudel (1905)

Shakuntala, Camille Claudel (1905)

Enviar