Luísa Dacosta

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Maria Luísa Saraiva Pinto dos Santos, mais conhecida por Luísa Dacosta, formou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em Ciências Histórico-Filosóficas.

O gosto pela leitura e pelas histórias veio-lhe da mãe: “Era professora primária e contava muito bem histórias de raiz popular. Mas também histórias de fadas. Eu adorava.” Aos nove anos, ficou marcada pelo conto “A Menina dos Fósforos”, de Hans Christian Andersen. “Foi um choque. É a história de uma morte. Uma criança que morre. E era um livro para crianças. Não era fantasia, era verdade. Esse livro influenciou-me muito.

Dedicou grande parte da vida ao ensino da Língua Portuguesa, tendo sido professora do antigo Ciclo Preparatório (atualmente o 2ºciclo do Ensino Básico) nas escolas Ramalho Ortigão (1968-1976) e Francisco Torrinha (1976-1997). Participou, a partir de 1972, na experiência de Veiga Simão para o lançamento dos 7º e 8º anos de escolaridade. Marcou os alunos e estes também a marcaram (“…alguma coisa aprendi com eles: o ter ficado do lado do sonho.”), como o prova o facto de ter integrado na sua escrita neologismos da autoria deles, tal como “renovescer” em vez de “renovar”.

Lecionou durante mais 20 anos: “Dei aulas até depois dos 60. Pedi ao ministro, não queria deixar os alunos a meio do ano.”

        “Não me vejo reformada. Fui dar uma aula à Faculdade de Psicologia, em Lisboa, e disseram-me para voltar no próximo ano. Eu respondi que, se estiver viva, lá estarei. Depois alguém me disse que eles sabiam o que é que iam lá buscar, mas e eu? O que é que ia lá buscar? Respondi que também sabia o que é que ia lá buscar. Vou buscar bafo humano, que é a única forma de sobrevivermos.”

Colaborou em diversos periódicos, com relevo para Colóquio/LetrasO Comércio do PortoJornal de NotíciasRaiz e UtopiaSeara Nova.

Em 1975, integrou o Conselho de Imprensa (“Pertenci ao Conselho de Imprensa. Fiz dois mandatos. Deixei lá escrito que tinha lutado muito contra a censura de Oliveira Salazar, mas era uma. Logo a seguir ao 25 de Abril houve também muitas censuras nos jornais. Nesse aspecto, estou de acordo com Voltaire. Entre a censura de muitos e a censura de um, prefiro a censura de um. Apesar de tudo é mais fácil de furar.”), em representação da opinião pública, cumprindo um segundo mandato em 1981. Ainda em 1975, esteve em Timor e fez parte da comissão encarregada de remodelar os programas de ensino.

Um tema frequente na sua obra é o da condição da mulher e as mulheres de A-ver-o-Mar (zona urbana no município da Póvoa de Varzim) foram fonte de inspiração para várias obras, com destaque para “A-Ver-o-Mar”, crónicas, 1980; “Morrer a Ocidente”, crónicas, 1990; “A Maresia e o Sargaço dos Dias”, poesia, 2008; “Nos Jardins do Mar (1981), e de várias páginas dos dois diários publicados da autora “Na Água do Tempo” (1992) e Um Olhar Naufragado (2008).

Forte contestatária do Acordo Ortográfico, apelidou os seus mentores de “especuladores ortográficos”, afirmando: “O que eles fizeram é uma peste. São parvos, não sabem a língua.”

Foi distinguida com:

– o Prémio Máxima de Literatura, pelo seu livro “Na Água do Tempo – Diário”, em 1992;

– o Prémio Uma vida, uma obra (instituído pela Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, com o apoio da Delegação Regional de Cultura do Norte), em 2002;

– o Prémio Vergílio Ferreira, atribuído pela Universidade de Évora, em 2010.

Morreu aos 87 anos (na véspera de cumprir os 88 anos).

          “Lamento sair desta vida bastante desiludida. Por exemplo, em relação à alegria com que festejei o fim da II Guerra, a pensar que nunca mais havia guerras, e que vinha aí a solidariedade, a democracia e a liberdade para todos. Mas não. Estamos num mundo criminoso em que 70 por cento da população mundial não tem acesso à água, à comida, à saúde, à educação. Sobretudo, incomoda-me partir com a certeza de que a parte mais esmagada deste mundo é a mulher. Isso dói-me. A pessoa sai daqui a pensar que certas coisas pelas quais lutou já nunca mais aconteceriam, e afinal pioram.”

 

Consulte aqui a bibliografia.

 

       Se…

Se eu tivesse um carro

havia de conhecer

toda a terra.

Se eu tivesse um barco

havia de conhecer

todo o mar.

Se eu tivesse um avião

havia de conhecer

todo o céu.

Tens duas pernas

e ainda não conheces

a gente da tua rua.

 

           “ Sou uma escritora marginal e bastante marginalizada, porque fiz sempre aquilo que quis, e só aquilo que quis. Tinha uma independência. Já sabia que morreria de fome se vivesse só dos livros. Era professora, algo que me dá muito gosto. É uma forma privilegiada de relação humana. Ainda hoje gosto muito de estar com os alunos. Tive crianças que passaram por dificuldades extraordinárias, mas a determinada altura vi que era capaz de escrever para eles. Ajudaram-me a escrever. Incluí no meu vocabulário algumas palavras criadas pelos alunos. A nossa língua é espantosa. Acho que temos uma língua privilegiada. É uma língua que tem dois tempos. Um para o tempo que se gasta, que é o estar, e um tempo para a eternidade, que é o ser. É das poucas línguas no mundo que tem isso. Depois temos uma coisa espantosa, miraculosa, que é poder conjugar pessoalmente o verbo no infinito. O infinito é o verbo fora do espaço e do tempo. Penso que é a única língua do mundo que consegue meter o tu dentro do eu. Quando digo “eu amar-te-ei”, mete o “tu” e depois é que fecha o verbo. Temos essa possibilidade espantosa. A nossa língua é mitológica.”

 

Leia aqui outros poemas da autora.

 

MJLeite

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