João Guimarães Rosa

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   “O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.”

Herdando do pai a paixão pelas estórias, teve uma infância privilegiada, convivendo desde cedo com personagens encantadas criados pela mente paterna. O seu tio, apenas dois anos mais velho, lembra-o como um “… menino diferente: sossegado, caladão, calmo, observador, singelo, que lia muito. Sua posição predileta para a leitura era sentado no chão, de pernas cruzadas, a modos de Buda, com o livro aberto sobre as pernas, curvado até bem próximo deste e com dois pauzinhos nas mãos, batendo sobre as páginas, ora um, depois o outro, compassadamente, em ritmo variado, ligeiro ou mais lento, conforme na leitura se movesse o pensamento”.

“Desde menino, muito pequeno, eu brincava de imaginar intermináveis estórias, verdadeiros romances; quando comecei a estudar Geografia – matéria de que sempre gostei – colocava os personagens e cenas nas mais variadas cidades e países. Mas, escrever mesmo, só comecei foi em 1929, com alguns contos, que naturalmente, não valem nada.”

Com sete anos já sabia ler, iniciando os estudos primários, na escola de Mestre Candinho. Começou a estudar francês quando recebeu de um amigo do pai uma gramática e um dicionário para ler revistas francesas que chegavam à cidade. Relativamente ao seu poliglotismo, diria mais tarde: “Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.”

Aos 10 anos de idade, deixou a sua terra natal para ir estudar em Belo Horizonte e morar com os avós. Concluídos os estudos primários, foi, em 1919, para o Colégio Santo António, uma escola de frades franciscanos, onde não conseguiu integrar-se, pelo que rapidamente regressou a Belo Horizonte, matriculando-se num colégio de padres alemães. Com 16 anos, entrou na Faculdade de Medicina, formando-se em 1930.

A sua estreia literária deu-se, em 1929, com a publicação, na revista O Cruzeiro, do conto “O mistério de Highmore Hall”, que não faz parte de nenhum de seus livros. Em 1936, a coletânea de versos “Magma”, recebeu o Prémio da Academia Brasileira de Letras.

Em 1932, ingressou como voluntário na Revolução Constitucionalista de 1932. Sobre essa experiência, afirmou: ‘’Fui médico, rebelde, soldado… Como médico, conheci o valor místico do sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte …’’.

Diplomata por concurso que realizara em 1934, foi cônsul em Hamburgo (1938-1942); secretário de embaixada em Bogotá (1942-1944); chefe de gabinete do ministro João Neves da Fontoura (1946); primeiro-secretário e conselheiro de embaixada em Paris (1948-1951); secretário da Delegação do Brasil à Conferência da Paz, em Paris (1948); representante do Brasil na Sessão Extraordinária da Conferência da UNESCO, em Paris (1948); delegado do Brasil à IV Sessão da Conferência Geral da UNESCO, em Paris (1949). Em 1951, voltou ao Brasil, sendo nomeado novamente chefe de gabinete do ministro João Neves da Fontoura; depois chefe da Divisão de Orçamento (1953) e promovido a ministro de primeira classe. Em 1962, assumiu a chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras, cargo que lhe mereceu o seguinte comentário: “Agora me ocupo de problemas de limites de fronteiras e por isso vivo muito mais limitado”.

Em 1946, a publicação do livro de contos “Sagarana”, garantiu-lhe um lugar de destaque no panorama da literatura brasileira, pela linguagem inovadora, pela singular estrutura narrativa e pela simbologia dos seus contos.

Em 1952, Guimarães Rosa fez uma longa viagem a Mato Grosso e escreveu o conto “Com o vaqueiro Mariano”, que integra, hoje, o livro póstumo “Estas estórias” (1969). Esta viagem pô-lo em contato com os cenários, os personagens e as histórias que, em 1956, recriou em “Grande sertão: Veredas”, o único romance escrito por Guimarães Rosa e um dos mais importantes textos da literatura brasileira que foi distinguido com vários prémios. Em 1961, recebeu o Prémio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto de sua obra. Um ano depois, lançou outro volume de contos, “Primeiras Estórias”, marcado profundamente pelos problemas de saúde que já então o afligiam, publicando, em 1967 a sua última obra, “Tutaméia”.

Foi eleito, em 1963, para a Academia Brasileira de Letras, mas um pressentimento impediu-o de tomar posse – ‘’a premonição de que a esta se seguiria sua morte.’’ Quatro anos depois, foi realmente acolhido pela morte, tornando-se, como tantos outros personagens seus, um ‘’encantado.’’

Após sua morte, foram publicados mais dois volumes, “Estas Estórias”, nova seleção de contos, e “Ave, Palavra”, obra eclética, com os mais diversos textos, da poesia à prosa poética.

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Consulte aqui a bibliografia.

 

Riqueza

Veio ao meu quarto um besouro

de asas verdes e ouro,

e fez do meu quarto uma joalharia…

 

Revolta

Todos foram saindo, de mansinho,

tão calados,

que eu nem sei

se fiquei mesmo só.

 

Não trouxe mensagem

e nem deram senha…

 

Disseram-se que não iria perder nada,

porque não há mais céu.

E agora, que tenho medo,

e estou cansado,

mandam-me embora…

 

Mas não quero ir para mais longe,

desterrado,

porque a minha pátria é a minha memória.

Não, não quero ser desterrado,

que a minha pátria é a memória…

 

Leia aqui outros poemas do autor.

 

MJLeite

 

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