História que os Professores de Geologia devem conhecer (5)

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IDADE MÉDIA (continuação)

Do outro lado do Canal, o franciscano Roger Bacon filósofo e alquimista inglês, considerado o mais importante cientista da Idade Média, foi pioneiro na estruturação do empirismo, termo aqui usado no sentido de método experimental, como forma de validação do conhecimento científico. O seu papel nas Ciências da Terra decorre da sua visão sobre a ciência, em geral. O seu nome ficou ainda ligado à matemática (trabalhou na correção do Calendário Juliano) e, principalmente, à ótica. Estudou em Oxford, tendo sido professor nesta Universidade, bem como na de Paris. Bacon viveu um período em que o influxo de textos dos filósofos gregos revolucionava a vida intelectual do ocidente europeu. Bastante influenciado por eles, foi um dos principais europeus do seu tempo a ensinar a filosofia de Aristóteles.
Colocando ênfase considerável sobre os procedimentos empíricos ou experimentais, lutou contra as chamadas ideias inatas. Face a esta sua ação inovadora, ficou na história com o título de “Doctor Mirabilis” (Doutor Admirável, em latim). Propondo novas metodologias de investigação científica, colocou em causa os métodos de ensino praticados por franciscanos e dominicanos, o que o tornou impopular perante as autoridades eclesiásticas. Consciente de que a escolástica fora concebida como uma via para conciliar a razão com a fé, não deixou de salientar as virtudes desta disciplina medieval, mas apontou-lhe os vícios, em especial os que misturavam os dogmas da Igreja com a ciência, defendendo a separação entre a teologia e o saber científico, numa atitude coincidente com a de Averrois e de outros comentadores árabes de Aristóteles. Esta atitude de Bacon germinou mesmo no seio da Igreja e teve aí seguidores afirmando que a teologia não era uma ciência, uma vez que as suas deduções não assentam em dados concretos, observáveis e experimentáveis, mas em premissas sustentadas e, tantas vezes, impostas pela Fé.
Na medida desta nova atitude perante o conhecimento científico, as ideias sobre a origem, a história e a natureza da Terra começam a apontar o caminho que as afastou das crenças ancestrais e as conduziu às preocupações, em primeiro lugar, dos naturalistas e, mais tarde, dos geólogos. Deve-se a Bacon a criação e divulgação do conceito de “leis da natureza”, facto importante num período em que estavam ocorrendo modificações no pensamento filosófico, em geral, e na filosofia natural (história natural), em particular.
Restrições censórias e perseguições movidas pela Ordem Franciscana que, em 1272, proibira a divulgação dos seus livros, afetando uma parte importante da sua criatividade intelectual. Esta sua dissidência face à hierarquia e a sua atividade nas práticas alquímicas (entre outras, descobriu a combinação perfeita da pólvora) levaram-no à prisão por mais de uma década.

Contemporâneo de Bacon, o dominicano italiano Tomás de Aquino, distinto aluno de Alberto Magno e autor da influente obra “Summa Theologica”, ficou na história da filosofia e da teologia com o título de “Doctor Communis” ou “Doctor Angelicus”. Considerado um dos principais expoentes da escolástica, foi o criador do Tomismo, a doutrina adotada oficialmente pela Igreja Católica que, sem deixar de valorizar o pensamento de Platão e o misticismo de Santo Agostinho, continuou a tentar integrar a filosofia aristotélica nos textos bíblicos, criando uma outra, o dito Tomismo, inspirada na fé, entendida como uma espécie de teologia científica.
Na Península Ibérica, ao tempo do rei de Castela e Leão Afonso X (1221-1284), “o Sábio” ou “o Astrólogo”, a corte deste monarca foi uma autêntica academia científica no espaço mediterrâneo, tendo marcado um período excecional no culto da sabedoria, conhecido por “Renascença do século XIII”. Judeus, árabes e cristãos conviveram nesta corte em absoluta harmonia e respeito pelas respetivas crenças, pela cultura e pela ciência. Este que também foi o imperador eleito do Sacro Império Romano-Germânico (mas que não exerceu esse cargo) realizou a primeira reforma ortográfica do castelhano, língua que adotou oficialmente, em substituição do latim.

Não irmanado com qualquer ordem religiosa, ao invés da grande maioria dos intelectuais da Idade Média ligados quer aos franciscanos, como Bacon, quer aos dominicanos, como Tomás de Aquino, o francês Jean Buridan (c.1300-1360), Reitor da Universidade de Paris, foi um clérigo e filósofo liberto das amarras impostas pela religião o que lhe permitiu o avanço em domínios da ciência que marcaram a sua obra. Como professor na mesma Universidade ao longo de uma vida, ensinou e escreveu sobre lógica, metafísica, ética, filosofia natural (história natural), numa metodologia e numa prática, entendidas como seculares, isto é, distintas da teologia. Considerado o filósofo francês mais influente, no século XIV e nos dois ou três que se lhe seguiram, desenvolveu o conceito físico de impulso, dando, assim, o primeiro passo no sentido do moderno conceito de inércia, inexistente no pensamento de Aristóteles. Alvo de uma campanha encorajada por Roma e concretizada por partidários do franciscano e escolástico inglês, William Ockham (1285-1347), a obra escrita de Buridan foi proibida pela Igreja Católica e colocada no famigerado “Index Librorum Prohibitorum”, promulgado pelo Papa Paulo IV, em 1559, com uma versão revista e autorizada pelo Concílio de Trento, em 1563.

(continua)
 A. M. Galopim de Carvalho

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