História que os Professores de Geologia devem conhecer (6)

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RENASCENÇA

Iniciado em Florença de onde se difundiu, em especial, para a Europa Central e Ocidental, a Renascença ou o Renascimento, como também se diz, é geralmente apresentado como um período da história da Europa, de limites temporais difusos, grosso modo, entre finais do século XIII e meados do século XVII, na transição da Idade Média para a Idade Moderna. Durante Este florescente período ocorreram transformações acentuadas em muitas áreas da vida humana, nomeadamente, na economia, na política, na religião, na filosofia, em diversas artes (pintura, escultura, arquitetura, poesia, música) na ciência e na tecnologia. Durante este período, marcado pela redescoberta e revalorização das referências culturais da Antiguidade, tem lugar o renascer do diálogo filosófico entre Platão e Aristóteles, ou seja, entre o idealismo e o empirismo filosófico. Assiste-se ao surgimento do humanismo e ao relativo declínio das estruturas económicas, sociais e políticas medievais, com destaque para o feudalismo que, face ao peso crescente de uma economia burguesa centrada no mercado das cidades e no comércio entre regiões, vai cedendo o passo ao urbanismo.
A par desta evolução, evidencia-se o ideal humanista e naturalista que conduz ao verdadeiro desabrochar das ciências. Fica para trás uma Idade Média, rotulada, nem sempre justamente, como uma era de obscurantismo e ignorância, referida por alguns como a Idade das Trevas. Numa época em que as elites culturais e científicas eram, em grande parte, membros do clero, sobressaem os que se assumiram como críticos da escolástica medieval, denunciando a tradicional influência da religião na cultura e no conhecimento científico.
O Renascimento teve por traves mestras grandes nomes da filosofia, da história e do humanismo, com destaque para os italianos Leonardo Bruni (1369-1444), Marsílio Ficino (1433-1499), Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), o germânico Nicolau Krebs (1401-1464), os holandeses Rudolph Agrícola (1444-1485) e Erasmo de Roterdão (1466-1535), o inglês Thomas More (1478-1535) e o poeta croata Janus Pannonius (1434-1472).
Foram ainda figuras importantes neste virar de página da intelectualidade europeia Leonardo da Vinci (1452-1519), italiano de nascimento, que se destacou como matemático, naturalista, anatomista, engenheiro, arquiteto, inventor, pintor, escultor, poeta e músico, grandes matemáticos como o alemão Johannes Regiomontanus (1436−1476), o italiano Luca Bartolomeo de Pacioli (1445-1517), o croata János Vitéz (1480-1472), também lembrado como astrónomo, e o, de todos conhecido, René Descartes (1596-1650). Este filósofo, físico e matemático francês, uma das figuras-chave da revolução científica da Idade Moderna, é lembrado como o inovador do racionalismo. Fundador da matemática moderna, foi o autor do conhecidíssimo sistema de coordenadas ditas cartesianas, evocando, assim o seu nome latino, Renatus Cartesius. Considerado um dos cérebros mais importantes e influentes da história do pensamento ocidental, Descartes é ainda lembrado como o mais distinto filósofo do seu tempo. Neste domínio, publicou, em 1637, o “Discurso do Método”, onde deixou claro a sua discordância face à tradição escolástica do ensino que então ainda se praticava, cujos conteúdos considerava confusos, obscuros e nada práticos. Por isso, não mereceu a admiração dos clérigos, em particular, dos jesuítas, que o consideravam um filósofo de menor qualidade. Aristóteles tinha deixado um legado intelectual que a Igreja católica chamara a si e procurava defender por todos os meios ao seu dispor, meios que, reza a história, eram muitos e eficazes. Descartes e o seu prestígio entre a intelectualidade europeia, estava a atentar contra este legado e, daí, o mau estar sentido pelos servidores de Roma.
Durante o Renascimento e em desacordo com as regras civilizacionais estabelecidas pela Igreja, ganhou corpo o humanismo, que colocou o Homem no centro do Universo, favorável a uma futura burguesia individualista e abastada: Com interesses em negócios internacionais e em busca de autoridade administrativa, os seguidores desta ideologia atentavam contra um privilégio até então exclusivamente nas mãos de uma parte importante do clero e da nobreza. Nesse tempo e num propósito de fazer renascer a antiga Paideia grega, como um corpo de princípios éticos, sociais, culturais e pedagógicos, visando o aperfeiçoamento do cidadão, surgiram novas universidades e bibliotecas em várias cidades da Europa e restaurou-se o latim clássico, que se tornou na nova língua franca no espaço europeu.
A queda do Reino de Granada, em 1492, e a reconquista da totalidade da Península Ibérica aos mouros potenciou a intelectualidade renascentista, na medida em que possibilitou o acesso dos estudiosos europeus a um vasto e valioso acervo de obras muçulmanas de Geber (721-815), Avicena (980-1037), e Averróis (1126-1198), e a traduções em árabe de textos de Aristóteles (384-322 a. C), Euclides (360-295 a. C), Ptolomeu (90-163) e outros, até então desconhecidos na Europa, o que permitiu avanços consideráveis em domínios como astronomia (que, nesse tempo e em parte, se confundia com a astrologia), filosofia, matemática, medicina, história natural e alquimia na vertente que conduziu à química e à mineralogia. Um outro acontecimento decisivo no florescimento da ciência e da cultura dos europeus foi a introdução da imprensa de tipos móveis, criada pelo alemão Johannes Gutenberg (c. 1398-1468), na primeira metade do século XV, alargando a divulgação do conhecimento para um público cada vez mais vasto, permitindo um enorme salto em frente face à época anterior limitada aos textos manuscritos. Foram ainda importantes, neste renascer das ideias, as descobertas de novas terras levadas a efeito por portugueses e espanhóis, nos séculos XV e XVI, e a Reforma Protestante de Matin Lutero (1483-1546), na primeira metade do século do XVI.
O desenvolvimento das ciências, na linha do empirismo experimental, permitiu avanços significativos na tecnologia. Um exemplo desta ligação foi o desenvolvimento das práticas da fundição e da cerâmica em Itália, na Boémia e na Áustria, levadas a efeito pelo italiano Vannoccio Biringuccio (1480-1539), um estudioso de mineração e metalurgia, que ascendeu a chefe da fundição papal, em Roma. Considerado como o pai da indústria de fundição, legou-nos “De la Pirotechnia”, um primeiro relato escrito sobre estas práticas, publicado em Veneza, em 1540.
Não obstante os progressos que se iam conquistando no domínio do conhecimento científico, os dissidentes mais ousados e expostos eram considerados hereges e, como tal, perseguidos pela Inquisição. O geocentrismo, que impunha o universo centrado na Terra, os seis dias da Criação e o Dilúvio bíblico eram algumas das verdades inquestionáveis pelos seguidores da Fé. Por se recusar a admitir que a Terra se encontrava no centro do mundo, pela ousadia de afirmar que existiam muitos outros sóis e infinitas terras a girarem à volta deles e por outras heresias, o filósofo italiano e dominicano, Giordano Bruno, foi condenado à fogueira, em 1600, “para purificação da sua alma”, em Roma, às ordens do Tribunal do Santo Ofício.
É no final do Renascimento que surge o termo geologia com o significado que hoje lhe damos. Tal acontece com a edição, em 1648, do livro do naturalista bolonhês, Ulisse Aldrovandi (1522-1605), publicado postumamente, “Geologia Ovvero de Fossilibus”, no qual o autor insere um conjunto de textos de sua autoria. Anteriormente, a palavra geologia (introduzida em 1473, por Richard Bury, bispo inglês de Durham, no livro Philobiblum) era o nome de uma disciplina que, à margem da Teologia, se ocupava das coisas da Terra, nomeadamente, o Direito.
Fundador do Museu de História Natural de Bolonha (inicialmente, um gabinete de curiosidades, com cerca de 7000 exemplares) e do Orto Botânico da Universidade, mais tarde o Jardim Botânico da mesma cidade e um dos primeiros da Europa, Aldrovandi foi considerado por muitos como o “Pai das Ciências Naturais”. Seguidor assumido da Reforma Protestante e das ideias anabaptistas, foi acusado de heresia, preso pelo Santo Ofício, mas teve mais sorte do que Giordano Bruno. Foi transferido para Roma, o que lhe permitiu travar conhecimento com diversos naturalistas e desenvolver, entre outros, o seu interesse pela geologia, de que reuniu vasta coleção hoje conservada no museu que fundou.

(Continua)

A. M. Galopim de Carvalho

Um comentário para “História que os Professores de Geologia devem conhecer (6)”

  1. Mais artigo de excelência. Simples, claro, objetivo. Obrigado, professor.

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