Vale a pena conhecer…Perfis cívicos de Republicanos – José Miranda do Vale (1877-1966)

O Partido Republicano Português, nas eleições municipais de 1 de Novembro de 1908 fez-se eleger na capital, compondo a primeira vereação republicana portuguesa que tornou Lisboa numa das primeiras cidades republicanas da Europa. Este acontecimento abriu caminho para que, dois anos depois, se instaurasse com sucesso a República em Portugal. Vários eram os nomes que compunham essa vereação, todos eles ilustres republicanos dos sete costados, homens verdadeiramente votados à causa pública. José Miranda do Vale, médico veterinário e Professor do Instituto de Agronomia e Veterinária de Lisboa era um deles. A sua participação na vereação republicana de Lisboa, como vereador efectivo eleito pelo 1.º círculo, centrou-se nas áreas do abastecimento e comércio de carnes (matadouros, medidas de abate e venda e normas de higiene), nas suas próprias palavras, para bem servir o «público consumidor», um conceito inédito no início do século XX. Miranda do Vale também interveio de forma relevante na iluminação urbana e nos transportes públicos da capital.

Para além de vereador, Miranda do Vale desempenhou outras funções ao serviço do Estado Português, tais como a compra de garanhões no estrangeiro (a sua eterna paixão por cavalos…). Conciliando a actividade de professor com a investigação, publicou importantes estudos sobre a criação de bovídeos e raças de bovídeos portuguesas. Era um homem de acção que queria o progresso do país e que trabalhava para isso.

Também no âmbito da Sociedade Portuguesa de Medicina Veterinária Miranda do Vale deixou a marca do seu carácter, num contexto político extremamente desfavorável (a ditadura de João Franco), pois os ideais republicanos eram ainda considerados subversivos e perigosos e os seus defensores, perseguidos. Miranda do Vale, com a frontalidade que lhe era característica, descreveu o sentimento da classe veterinária no período que antecedeu a implantação da República, e expressou-o numa carta enviada ao então Ministro da Agricultura, denunciando as arbitrariedades a que os Agrónomos Monárquicos sujeitavam os Veterinários Republicanos:

«…No longo consulado do erudito agrónomo Sr. Alfredo Carlos Le Cocq (Director Geral de Agricultura que tutelava o Instituto) nenhum, absolutamente nenhum facto se pode apontar pelo qual a classe veterinária deva ou possa nutrir o mais leve sentimento de gratidão […] Com mágoa, mas com verdade o digo, reconhecendo os primores de caracter do Sr. Le Cocq, em quem os veterinários portugueses viam no trato particular a mais impecável correcção […] mas encontravam no funcionário superior uma, ora surda, ora aberta hostilidade, que nada, absolutamente nada, justificava aos olhos da razão e da justiça. Sob o longo consolado do Sr. Le Cocq, a Medicina Veterinária Portuguesa não pôde jamais expandir-se, por lhe recusarem todo o incremento, desde as criadoras fontes de ensino até ao vasto campo de trabalho da Direcção Geral de Agricultura». (in Miranda do Vale, J. 1952. História da Sociedade Portuguesa de Medicina Veterinária. Revista Portuguesa de Medicina Veterinária. XLVII(342-343), 215-441).

Miranda do Vale era proveniente de uma família monárquica, neto de um ilustre liberal que ganhara a mais alta condecoração pelos serviços prestados à coroa (A Torre e Espada, de valor lealdade e mérito): Libânio do Vale, médico da corte que amputou o braço do Marquês de Sá da Bandeira, em pleno campo de combate. Dos seus antepassados, José Miranda do Vale herdou a verticalidade de carácter e a lealdade do serviço à Pátria, que desejava laica e progressista. Aos familiares que nasceram depois dele, deixou o seu exemplo e o seu testemunho: monárquicos ou republicanos é dever dos cidadãos servir o bem comum com seriedade e lealdade. Não cheguei verdadeiramente a conhecer este meu antepassado porque morreu no preciso ano em que nasci. Mas é na minha casa que está o seu diploma de vereador da primeira vereação republicana de Lisboa e a fotografia onde aparece à varanda da municipalidade no dia da proclamação da República, a 5 de Outubro de 1910, juntamente com outros ilustres membros dessa primeira vereação. A História é assim: tem rostos e nomes que merecem ser lembrados porque constituem uma inspiração para as gerações vindouras.

Por  Ana Bernardo

Um comentário para “Vale a pena conhecer…Perfis cívicos de Republicanos – José Miranda do Vale (1877-1966)”

  1. Um Homem só morre verdadeiramente quando deixa de ser lembrado. A memória que temos das pessoas torna-nos imortais juntos de todos aqueles que nos são próximos. Bjs

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