José Gomes Ferreira

Nascido no Porto, José Gomes Ferreira muda-se com quatro anos para Lisboa onde, criado “longe das árvores, no roldão poeirento das cidades” (palavras do autor), se inicia nos poetas saudosistas – especialmente Raul Brandão – nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com o professor Leonardo Coimbra. Dirige, muito novo, a revista “Ressurreição”, onde chega a colaborar com Fernando Pessoa, num soneto. Dedica-se também à música, com composições musicais como o poema sinfónico “Idílio Rústico”, que foi executado pela primeira vez pela orquestra de David de Sousa, no teatro Politeama.

Por influência do pai, democrata republicano, cedo ganhou consciência política (em desafio polémico, por exemplo, queima no café Gelo, um retrato de Sidónio Pais) e alista-se em 1919, acabado o treino militar em Tancos, no Batalhão Académico Republicano.

Licencia-se em Direito em 1924, vindo depois a ser Cônsul na Noruega. De regresso a Portugal em 1930, dedica-se ao jornalismo, colaborando na “Presença”, “Seara Nova”, “Descobrimento”, “Imagem” (revista de cinema), “Sr. Doutor (revista infantil onde começa a publicar periodicamente “Aventuras de João Sem Medo”, e “Gazeta Musical e de Toas as Artes”. Faz também tradução de filmes, sob o pseudónimo de Álvaro Gomes.

Inicia-se na poesia com o poema “Viver sempre também cansa”, publicado na “Presença”, e apesar de ter já publicado anteriormente os livros “Lírios do Monte” (obra que renegou depois) e “Longe”, só em 1948 começa a publicação séria do seu trabalho, nomeadamente com “Poesia I” e com a colaboração na “Homenagem poética a Gomes Leal”.

Com vasta obra já publicada, em prosa e em verso, ganha em 1961 o “Grande Prémio da Poesia” da Sociedade Portuguesa de Escritores, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, com a sua obra “Poesia III”.

Está presente em todos os grandes momentos “democráticos e antifascistas” e colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção “Não fiques para trás, ó companheiro”.

Foi presidente da Associação Portuguesa de Escritores e em 1979 foi candidato da Aliança Povo Unido, por Lisboa, nas eleições intercalares. Em fevereiro do ano seguinte filia-se no partido Comunista Português.

Veio a ser mais tarde condecorado pelo Presidente da República Ramalho Eanes como Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo mais tarde o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Em 1990, Jorge Sampaio, então Presidente da Câmara de Lisboa, descerra uma lápide de homenagem ao escritor, na Avenida Rio de Janeiro, sua última morada.

Na memória e no papel fica a sua vasta obra que marcou todo esse vasto período de quase um século.

Para aceder à bibliografia, clique aqui.

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“Até 2000 ainda espero…Depois desisto“, dizia ele às vezes nas suas tertúlias de amigos.

 

Viver sempre também cansa!

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens não se transformam
Não cai neve vermelha
Não há flores que voem,
A lua não tem olhos
Ninguém vai pintar olhos à lua

Tudo é igual, mecânico e exacto

Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis, sempre os mesmos
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe
automóveis de corrida…

E obrigam-me a viver até à morte!

Pois não era mais humano
Morrer por um bocadinho
De vez em quando
E recomeçar depois
Achando tudo mais novo?

Ah! Se eu pudesse suicidar-me por seis meses
Morrer  em cima dum divã
Com a cabeça sobre uma almofada
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do norte.

Quando viessem perguntar por mim
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia
Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo..
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Chove…

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove…

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

 

MJLeite

3 comentários para “José Gomes Ferreira”

  1. Há muitos e muitos anos… Foi no século passado e era eu caloira na adolescência, quando me ofereceram o 1º livro de poesia – José Gomes Ferreira.
    Não o entendi. Teimosa, li e reli… Sem saber bem o que procurava mas precisava de encontrar.
    E foi o começo da paixão pela poesia. JGF foi a minha janelinha de entrada.

  2. José Gomes Ferreira para mim foi uma grande jornalista, escritor e também foi um grande poeta Português. Pessoalmente gostei de ler o livro ” Mil e uma noites” traduzido por ele. Aconselho-vos a ler algumas obras deste autor como por exemplo ” Contos ” e a tradução de ” A casa de Bernarda Alba ” de Frederico Garcia Lorca.

  3. Em 1992 leccionei na Escola José Gomes Ferreira, conhecida por Escola Secundária de Benfica e nesse tempo li “As Aventuras do João Sem Medo”. Numa prosa cativante e desconcertante pela sua criatividade, absorveu-me por completo. Foi muito bom recordá-lo novamente e agora com uma outra abrangência.

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