Maria Velho da Costa

Licenciada em Filologia Germânica pela Universidade de Lisboa, foi professora do ensino particular e mais tarde funcionária do Instituto Nacional de Investigação Industrial. Tem o Curso de Grupo-Análise da Sociedade Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria. Foi membro da Direção e Presidente da Associação Portuguesa de Escritores, de 1973 a 1978. Foi também leitora do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros do King’s College, Universidade de Londres, entre 1980 e 1987. Tem sido incumbida pelo Estado português de funções de caráter cultural: foi adjunta do secretário de Estado da Cultura em 1979 e adida cultural em Cabo Verde de 1988 a 1991. Desempenhou ainda funções na Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e trabalha atualmente no Instituto Camões.

Literariamente, Maria Velho da Costa situa-se numa linha de experimentalismo linguístico que renovou a literatura portuguesa na década de 60, destacando-se no entanto na sua geração de novelistas pelo virtuosismo único com que manuseia a língua.

Consagrada, já em 1969, com o romance Maina Mendes, é uma das três autoras, ao lado de Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno – as «Três Marias» -, de Novas Cartas Portuguesas (1972), uma violenta crítica à mísera condição social, política e humana da mulher na sociedade portuguesa e que, por ser claramente antifascista e altamente provocatória para o regime de então, foi proibida pela censura antes do 25 de abril de 1974, valendo-lhes a instauração de um processo que terminou em absolvição depois da revolução de abril que pôs fim ao Estado Novo.

Durante a ditadura, era assim que a escritora reagia à imposição de uma escrita conveniente:

                 Ecidi escrever ortado; poupo assim o rabalho a quem me orta. Orque quem me orta é pago para me ortar. Também é um alariado. Também ofre o usto de ida.

                (…) A iteratura eve ser uma oisa éria e esponsável. Esta é a minha enúncia ública. (Eço esculpa de esitar nalguns ortes, mas é por pouco calhada neste bom modo de scrita usta ao empo e aos odos).

               (…) Olegas, em ome da obrevivência da íngua, vos eço pois:

               Reinai-vos a ortar-vos uns aos outros

              Omo eu me ortei.

Em 2002, recebeu o Prémio Camões, tendo sido anteriormente distinguida com o prémio Cidade de Lisboa pelo romance Casas Pardas, em 1977; o prémio D. Dinis, por Lucialima, em 1983; o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco pela obra Dores, em 1994; o Prémio Vergílio Ferreira, da Universidade de Évora, pelo conjunto da sua obra, em 1997; o Grande Prémio de Novela e Romance por Irene ou o contrato social, em 2000; o Prémio Correntes d’Escritas-Casino da Póvoa pelo romance Myra, em 2008; o Prémio Vida Literária pela Associação Portuguesa de Escritores, em 2013.

Aos leitores que ainda esperam que se tenha precipitado quando afirmou que Myra seria o seu último romance, diz “É o que eu acho, mas pode-se sempre ter um acesso de demência senil e escrever-se o que não se deve”, garantindo que não está a escrever nenhum novo livro nem sente a tentação de o fazer, “Consigo não escrever com a maior das facilidades”. Esclarecendo, contudo, que «da literatura, como a entendo, não me despeço até que ela se despeça de mim», acrescentando ironicamente «Não é uma decisão irrevogável.»

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Revolução e Mulheres

Elas fizeram greves de braços caídos.

Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta.

Elas gritaram à vizinha que era fascista.

Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.

Elas vieram para a rua de encarnado.

Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água.

Elas gritaram muito.

Elas encheram as ruas de cravos.

Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.

Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua.

Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo.

Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas.

Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra.

Elas choraram de verem o pai a guerrear com o filho.

Elas tiveram medo e foram e não foram.

Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.

Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa.

Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.

Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.

Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos.

Elas disseram à mãe, segure-me aí os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é.

Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.

Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão.

Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.

Elas iam e não sabiam para onde, mas que iam.

Elas acendem o lume.

Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.

São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.

                                                                                                       in Cravo

Leia a entrevista concedida ao Público, datada de 13/01/13, em:

http://www.publico.pt/temas/jornal/maria-velho-da-costa-25865926#/0

 

MJLeite

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