Sophia de Mello Breyner Andresen

foto_sophia_mello_breyner

O seu pai, João Henrique Andresen, era neto de um dinamarquês que se fixou no Porto e que ali fez fortuna, primeiro no setor da cabotagem, depois no negócio dos vinhos. A mãe, Maria Amélia de Mello Breyner, “leitora desabalada” que, segundo Sophia, criticava a filha por “não ler nada”, pertencia a uma família aristocrática de fortes tradições liberais.

Sophia viveu a infância e a adolescência na quinta portuense do Campo Alegre, adquirida pelo seu avô Andresen no final do século XIX, “um território fabuloso”, nas palavras da autora.

Um dos costumes da casa era o de organizar, pelo Natal, um espectáculo protagonizado pelas crianças da família. Foi justamente uma destas celebrações que originou o primeiro contacto de Sophia com a poesia. Tinha três anos e ainda não sabia ler, mas uma criada, desgostosa por ver a menina excluída do elenco de artistas, ensinou-a a recitar “A Nau Catrineta” (“Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava muito. Era uma mulher jovem, loira, muito bonita. A Laura ensinou-me a “Nau Catrineta” porque havia um primo meu mais velho a quem tinham feito aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse atrás… Fui um fenómeno, a recitar a “Nau Catrineta”, toda.”).

A verdadeira iniciação na poesia portuguesa fá-la com o avô materno, Tomás de Mello Breyner, 4º conde de Mafra, que lhe deu a ler Camões e Antero. “Vivi muito com ele, mais do que normalmente uma criança vive com um avô”, escreveu Sophia, que com ele aprendeu, também, que “nem todos os intelectuais são inteligentes”.

Igualmente marcante é a casa de férias na praia da Granja, onde a família passava os verões, “ … uma casa branca, no meio das dunas. Abria-se a porta da sala e dava directamente para a areia, tanto assim que se fartavam de entrar as pulgas do mar”. “Tenho muita memória visual e lembro-me sempre das casas, quarto por quarto, móvel por móvel e lembro-me de muitas casas que desapareceram da minha vida (…). Eu tento «representar», quer dizer, “voltar a tornar presentes» as coisas de que gostei e é isso o que se passa com as casas: quero que a memória delas não vá à deriva, não se perca”.

Dos 7 aos 17 anos estudou no Colégio do Sagrado Coração de Maria, no Porto. Numa célebre entrevista a José Carlos Vasconcelos, publicada em 1991 no “Jornal de Letras”, recorda com apreço as educadoras do colégio e, em especial, a sua “óptima professora de português”, afirmando mais tarde numa entrevista “Quem mais me marcou foi a minha professora de português. Chamava-se Carolina.”

Frequentou Filologia Clássica, na Faculdade de Letras de Lisboa, mas abandonou o curso a meio, regressando ao Porto.

Casou, em 1946, com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares e foi mãe de cinco filhos que a motivaram para a escrita de contos infantis: “Eu comecei a escrever histórias para crianças numa fase em que os meus filhos estavam doentes, com sarampo. Em casa, comecei a ler-lhes histórias para os entreter. Mas os livros que lhes lia, achei que estavam piegas demais, por isso resolvi contar-lhes as minhas próprias histórias, nas quais recordo momentos da minha infância e juventude.”

Mulher de causas, antes do 25 de Abril, fez parte da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos. Chegado “o dia inicial inteiro e limpo”, dias depois, no 1º de Maio, milhares de manifestantes gritaram em Lisboa “A poesia está na rua.”, palavra de ordem lançada por Sophia.

Igualmente célebre ficou como canção de intervenção dos Católicos Progressistas a sua “Cantata da Paz”, também conhecida e chamada pelo seu refrão: “Vemos, Ouvimos e Lemos. Não podemos ignorar!”

Em 1975, a escritora foi eleita deputada à Assembleia Constituinte, pelo círculo do Porto, nas listas do Partido Socialista. Com esta breve experiência parlamentar pôs fim a um longo período de participação intensa na vida política, dedicando os últimos 30 anos de vida à escrita, sem que tal a impedisse de intervir sempre que achou que as causas o justificavam. Recorde-se o texto que redigiu, em 1991, para um abaixo-assinado a favor da causa timorense, que envolveu nomes como Maria Barroso e Natália Correia, e instituições como a Cruz Vermelha e a Assistência Médica Internacional. “A muitos Timor parecerá pequeno e distante. No entanto, é em Timor que neste momento se trava a luta pela dignidade humana”.

Muitos foram os prémios que recebeu:

1964 – Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, atribuído a “Livro Sexto”;

1977 – Prémio Teixeira de Pascoaes;

1979 – Medalha de Verneil da Societé de Encouragement au Progrés, França;

1983 – Prémio da Crítica, do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, pelo conjunto da sua obra;

1989 – Prémio D. Dinis, da Fundação da Casa de Mateus;

1990 – Grande Prémio de Poesia Inasset / Inapa;

1992 – Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças;

1994 – Prémio cinquenta anos de Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores;

1995 – Prémio Petrarca Associação de Editores Italianos;

1995 – Homenagem de Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Lisboa, pelo cinquentenário da publicação do primeiro livro “Poesia”;

1998 – Prémio da Fundação Luís Miguel Nava;

1999 – Prémio Camões (foi a primeira mulher portuguesa a recebê-lo);

2000 – Prémio Rosalia de Castro, do Pen Clube Galego;

2001 – Prémio Max Jacob Étranger;

2003 – Prémio Rainha Sophia de Poesia Ibero-americana.

Recebeu também as condecorações de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (1981), a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (1987) e a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (1998)

Em 2 de julho de 2014, dez anos após a sua morte, e no ano em que se comemorava o 40º aniversário do 25 de Abril, esse “dia inicial inteiro e limpo”, o seu corpo foi trasladado para o Panteão Nacional.

Consulte aqui a bibliografia.

 

Esta Gente

Esta gente cujo rosto

Às vezes luminoso

E outras vezes tosco

 

Ora me lembra escravos

Ora me lembra reis

 

Faz renascer meu gosto

De luta e de combate

Contra o abutre e a cobra

O porco e o milhafre

 

Pois a gente que tem

O rosto desenhado

Por paciência e fome

É a gente em quem

Um país ocupado

Escreve o seu nome

E em frente desta gente

Ignorada e pisada

Como a pedra do chão

E mais do que a pedra

Humilhada e calcada

 

Meu canto se renova

E recomeço a busca

De um país liberto

De uma vida limpa

E de um tempo justo

 

in “Geografia”

 

Leia aqui outros poemas da escritora.

 

MJLeite

Enviar