Irene Lisboa
“Como o tempo passa…ou por outra, como nós o deixamos gastar-se, tornar-se delgado e sem conteúdo!”
in “Solidão”
Irene Lisboa , formada pela Escola Normal Primária de Lisboa, fez estudos de especialização na Bélgica, em França e na Suíça (onde conheceu Jean Piaget e Édouard Claparède, com quem estudou no Instituto Jean-Jacques Rousseau); foi professora do Ensino Infantil e depois Inspetora Orientadora deste grau de ensino. Rogério Fernandes, que foi presidente do Instituto Irene Lisboa, afirmou que «o programa de tal departamento, desenhado por Irene Lisboa, reformulava de alto a baixo as funções de um órgão estatal até aí consagrado exclusivamente ao controlo ideológico, administrativo e disciplinar dos docentes…». Arredada da inspeção pouco tempo depois de nela ter ingressado, é colocada na secretaria do Instituto de Alta Cultura até ser convidada a aceitar um lugar na Escola do Magistério de Braga ou a pedir a aposentação (na prática, uma forma de exílio para uma pedagoga incómoda pelas suas ideias avançadas), optando por esta última, renunciando assim a qualquer intervenção a nível oficial.
Usou os pseudónimos de Manuel Soares, Maria Moira, João Falco. Ao longo da sua vasta obra (elogiada por alguns dos seus pares como José Rodrigues Miguéis e José Gomes Ferreira, embora nunca tenha tido grande aceitação por parte do público), escreveu literatura para crianças e jovens, textos de pedagogia, crónicas e novelas centradas na descrição de quadros e personagens da vida comum, mas sempre dando passagem para o núcleo intimista e autobiográfico que unifica toda a obra, a começar pelos dois livros de poemas.
Nos volumes Esta cidade!, O pouco e o muito – Crónica urbana, Título qualquer serve para novelas e noveletas, Crónicas da Serra está patente a opção pelo tom e pelos géneros menores, com destaque para a crónica e para a narrativa curta, correspondendo a uma conceção muito atenta e pormenorizada do mundo.
As novelas autobiográficas Começa uma vida e Voltar atrás para quê? contam os episódios fundadores da infância e da adolescência, nos quais radica este universo. Conforme afirma Paula Morão: “À distância do tempo e da memória, eles narram a história de uma rapariguinha crescendo entre mistérios que rodeiam a sua origem: separada da mãe cerca dos três anos, vive com o pai e uma madrinha na quinta desta, estigmatizada por uma bastardia que o crescimento vem agudizar, não só pelas suas sequelas no imaginário da protagonista, mas pelas consequências práticas sobre a sua vida, vendo-se desprovida de bens materiais e sobretudo simbólicos (nunca reconhecida pelo pai e espoliada dos seus direitos por ação de gente ambiciosa e sem escrúpulos).”
Podemos resumir a obra de Irene Lisboa com as palavras de Jacinto do Prado Coelho que diz :“Ainda a propósito dos seus livros, diz-se que tudo o que produziu reage a uma desolada situação de mulher alta e livre num mundo atrasado meio pequeno-burguês, conseguindo vencer a solidão, graças a uma convivência aberta à gente simples da rua, da escada de serviço, com quem se integra no seu próprio linguajar através de alguns dos seus livros”.
Em homenagem à pedagoga, a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) fundou, em 12 de Janeiro de 1988, o Instituto Irene Lisboa, uma associação profissional de docentes de âmbito nacional que tem como finalidade contribuir para a autonomização dos Educadores e Professores de modo que estes assumam com inteligência crítica o seu papel de agentes de transformação social. Esta finalidade é operacionalizada numa grande diversidade de atividades de formação que abrangem desde modalidades de formação contínua acreditada e financiada até à realização de cursos, seminários, conferências, programas de recreio e cultura, dando resposta às solicitações e necessidades dos Educadores e Professores.
Ainda nas palavras de Rogério Fernandes “Irene Lisboa é decerto um dos expoentes mais brilhantes de um grupo de educadores e professores portugueses que se tornaram responsáveis pela difusão das teorias da educação nova e da escola ativa.”
Consulte aqui a bibliografia.
Meados de Maio
Chuvoso maio!
Deste lado oiço gotejar
sobre as pedras.
Som da cidade …
Do outro via a chuva no ar.
Perpendicular, fina,
Tomava cor,
distinguia-se
contra o fundo das trepadeiras
do jardim.
No chão, quando caía,
abria círculos
nas pocinhas brilhantes,
já formadas?
Há lá coisa mais linda
que este bater de água
na outra água?
Um pingo cai
E forma uma rosa…
um movimento circular,
que se espraia.
Vem outro pingo
E nasce outra rosa…
e sempre assim!
Os nossos olhos desconsolados,
sem alegria nem tristeza,
tranquilamente
vão vendo formar-se as rosas,
brilhar
e mover-se a água…
Leia aqui outros poemas da escritora.
MJLeite
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