Manuel da Fonseca

foto_manuel_da_fonseca_1

Após ter terminado o ensino básico, Manuel da Fonseca prosseguiu os seus estudos em Lisboa. Estudou no Colégio Vasco da Gama, no Liceu Camões, na Escola Lusitânia e na Escola de Belas-Artes. Apesar de não ter sobressaído na área das Belas-Artes, deixou alguns registos nos retratos que fazia de alguns dos seus companheiros de tertúlias lisboetas, como é o caso do de José Cardoso Pires. Durante os períodos de interregno escolar, aproveitava para regressar ao seu Alentejo de origem, espaço de eleição dos seus primeiros textos. Só mais tarde e a partir de Um Anjo no Trapézio é que o espaço das suas obras passa a ser a cidade de Lisboa.

 Na capital desempenhou diversas atividades profissionais no comércio, na indústria e no jornalismo. Antes de colaborar em Novo Cancioneiro, com Planície, editou, em 1940, Rosa dos Ventos, obra pioneira do neorrealismo poético português, nascida do convívio com um grupo de jovens escritores, entre os quais Mário Dionísio, José Gomes Ferreira, Rodrigues Miguéis, Manuel Mendes e Armindo Rodrigues, unidos numa “obstinada recusa de ser feliz num mundo agressivamente infeliz, uma ânsia de dádiva total e o grande sonho de criar uma literatura nova, radicada na convicção de que, na luta imensa pela libertação do Homem, ela teria um papel estimável a desempenhar contra o egoísmo, os interesses mesquinhos, a conivência, a indiferença perante o crime, a glorificação de um mundo podre” (prefácio de Mário Dionísio a Obra Poética de Manuel da Fonseca, 1984). Ainda Mário Dionísio vê na oposição cidade/vila, recorrente na obra de Manuel da Fonseca, a oposição entre o que é “apaixonado e violento, desgraçado e heroico, profundamente humano, grave, limpo” e o que é “de ambição medíocre, de preconceitos míseros, que desvirtuam e lentamente asfixiam uma imagem ideal de vida que, na poesia de Manuel da Fonseca, quase sempre se identifica com tudo o que a infância e a adolescência têm de ingénuo e generoso e transparente e que a vida embacia, adultera e destrói.”

Autor de uma obra ancorada na realidade e carregada de intervenção social e política, Manuel da Fonseca relata como poucos a vida dura do Alentejo e dos alentejanos e a sua escrita celebra a vida livre das imposições, frustrações, mentiras e condicionamentos impostos pela sociedade. Cerromaior (1943), O Fogo e as Cinzas (1951) e Seara de Vento (1958) são algumas das suas obras mais emblemáticas.

Foi membro do Partido Comunista Português e era presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta atribuiu o Grande Prémio da Novelística a José Luandino Vieira pela sua obra Luuanda, o que levou ao encerramento desta instituição.

Em sua homenagem, a escola secundária de Santiago do Cacém denomina-se Escola Secundária Manuel da Fonseca e a biblioteca municipal de Castro Verde, Biblioteca Municipal Manuel da Fonseca.

Tejo que levas as águas

Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
De roubos fomes terror
Lava a cidade de quantos
Do ódio fingem amor

Lava bancos e empresas
Dos comedores de dinheiro
Que dos salários de tristeza
Arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
Casebres bairros da lata
Leva negócios e rendas
Que a uns farta e a outros mata

Leva nas águas as grades
De aço e silêncio forjadas
Deixa soltar-se a verdade
Das bocas amordaçadas

Lava avenidas de vícios
Vielas de amores venais
Lava albergues e hospícios
Cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
Vãs glórias, ocas palmas
Leva o poder dos senhores
Que compram corpos e almas

Das camas de amor comprado
Desata abraços de lodo
Rostos corpos destroçados
Lava-os com sal e iodo

Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar.

                                         Manuel da Fonseca, Poemas para Adriano, 1972

Poemas para Adriano é o conjunto de nove poemas escritos especialmente para o álbum Que nunca mais, lançado pelo músico português Adriano Correia de Oliveira, em 1975.

 

Poema da Menina Tonta

A menina tonta passa metade do dia

a namorar quem passa na rua,

que a outra metade fica

pra namorar-se ao espelho.

.
A menina tonta tem olhos de retrós preto,

cabelos de linha de bordar,

e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho.

.
A menina tonta tem vestidos de seda

e sapatos de seda,

é toda fria, fria como a seda:

as olheiras postiças de crepe amarrotado,

as mãos viúvas entre flores emurchecidas,

caídas da janela,

desfolham pétalas de papel…

.
No passeio em frente estão os namorados

com os olhos cansados de esperar

com os braços cansados de acenar

com a boca cansada de pedir…

.
A menina tonta tem coração sem corda

a boca sem desejos

os olhos sem luz…

.
E os namorados cansados de namorar…

Eles não sabem que a menina tonta

tem a cabeça cheia de farelos.

 

MJLeite

Enviar