António Gedeão

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Filho de um funcionário dos correios e de uma dona de casa, nasceu na freguesia lisboeta da Sé e aí cresceu, juntamente com as irmãs, no seio de um ambiente familiar marcado pela mãe. Esta tinha como grande paixão a literatura, e transmitiu-a ao filho Rómulo (assim nomeado em honra do protagonista de um drama lido num folhetim de jornal), iniciando o filho na leitura e na arte das palavras através de livros comprados em fascículos, e posteriormente, requisitados nas livrarias Portugália ou Morais. Foi assim que, desde muito cedo, Rómulo tomou contacto com Camões, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco e Cesário Verde, este o seu preferido.

Aos 5 anos escreveu os primeiros poemas e aos 10 decidiu completar “Os Lusíadas” de Camões. Quando, ao entrar para o liceu Gil Vicente tomou pela primeira vez contacto com as ciências, ao seu gosto pela escrita somou- -um enorme interesse pela ciência, que viria a ser determinante para a escolha do caminho a tomar na entrada na Universidade, inscrevendo-se em Ciências Fisico-Químicas na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e deixando as palavras para quando, mais tarde, surgiu António Gedeão.

Em 1932, após a licenciatura, formou-se em Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras do Porto, denunciando esta escolha o seu percurso dali para a frente e durante 40 anos – professor e pedagogo.

Estagiou no liceu Pedro Nunes e ensinou durante 14 anos no liceu Camões, foi de seguida convidado a ir leccionar para o liceu D. João III, em Coimbra, onde permaneceu oito anos, regressando depois a Lisboa, convidado para professor metodólogo do grupo de Físico-Químicas do liceu Pedro Nunes.

Comunicador por e de excelência, ensinar era uma paixão (“ Ser professor tem de ser uma paixão – pode ser uma paixão fria mas tem de ser uma paixão. Uma dedicação.”). Co-director da “Gazeta de Física” a partir de 1946, elaborou compêndios escolares, inovadores pelo grafismo e forma de abordar matérias tão complexas como a física e a química. A partir de 1952, empenhou-se na difusão científica a um nível mais amplo através da coleção “Ciência Para Gente Nova”(“A divulgação, conforme eu gosto, é aquela que dá aos jovens as respostas que eles nunca chegaram a fazer. ‘Largo um corpo, porque é que ele cai?’ é uma coisa que pode interessar a toda a gente e trata-se de explicar isso em termos agradáveis. Para que possam ler e levá-los a pensar com mais pormenor nesse assunto e noutros”.) e” Física para o Povo”, entre outros títulos.

Esta intensa atividade científica não o fez esquecer, todavia, a arte das palavras, tendo continuado, sempre, a escrever poesia, mas sem que tentasse sequer publicá-la por a considerar sem qualidade e inútil.

Só em 1956, já com 50 anos, após ter participado num concurso de poesia de que tomou conhecimento no jornal, publicou o primeiro livro de poemas “Movimento Perpétuo”, assinando-o como António Gedeão, que foi bem recebido pela crítica, continuando a publicar poesia e aventurando-se, anos mais tarde, no teatro, no ensaio e na ficção.

Nos seus poemas dá-se uma simbiose perfeita entre a ciência e a poesia, a vida e o sonho, a lucidez e a esperança, dando eco a uma vida em que sempre coexistiram dois interesses totalmente distintos, mas que, para Rómulo de Carvalho e para o seu “amigo” Gedeão, provinham da mesma fonte e completavam-se mutuamente.

A sua poesia marcou toda uma geração que, atormentada pelo regime salazarista e pela guerra, partilhava os valores expressos pelo poeta e acreditava que, através do sonho, era possível encontrar o caminho para a liberdade. É deste modo que “Pedra Filosofal”, musicada por Manuel Freire, se torna num hino à liberdade e ao sonho. Em 1972, José Nisa compõe doze músicas com base em poemas de Gedeão e produz o álbum “Fala do Homem Nascido”.

Em 1974, após 4o anos de ensino, o professor Rómulo de Carvalho, decidiu reformar-se, já que a sua exigência e rigor não lhe permitiram conformar-se com a desorganização e falta de autoridade que, depois do 25 de Abril, tomaram conta do ensino em Portugal.

Nos anos seguintes, dedicou-se por inteiro à investigação publicando numerosos livros, tanto de divulgação científica, como de história da ciência.

Em 1990, já com 83 anos, Rómulo de Carvalho assumiu a direcção do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, sete anos depois de se ter tornado sócio, desempenhando a função até ao fim da sua vida.

Em 1996, com o patrocínio do Ministério da Ciência e da Tecnologia e com a participação de muitos organismos e personalidades de áreas diversas, promoveu-se uma Homenagem Nacional a Rómulo de Carvalho/António Gedeão, uma forma de reconhecer um percurso ímpar como professor, investigador, pedagogo e historiador da ciência, bem como o poeta.

A 15 de Novembro de 1996, foi-lhe atribuída a Medalha de Prata da Universidade Nova de Lisboa, na Faculdade de Ciências e Tecnologia.

A 17 de Dezembro de 1996, o Presidente da República atribuiu-lhe a Grã Cruz da Ordem de Mérito de Santiago da Espada, na Escola Secundária Pedro Nunes e, a 18 de Dezembro de 1996, foi-lhe atribuída, pelo Ministro da Cultura, a Medalha de Mérito Cultural, na Fundação Calouste Gulbenkian.

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Lágrima de preta

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Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

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Leia aqui outros poemas do autor.

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MJLeite

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