Ana Teresa Pereira


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     “Sabe, no fundo, eu acho que só é possível escrever sobre si próprio. A escrita é como os sonhos. Só se sonha sobre si próprio, consigo próprio. Depois, existem «disfarces». Mas estes «outros» têm sempre a ver com o «eu» que escreve.”

     Ana Teresa Pereira nasceu em 1958 no Funchal, onde vive. Frequentou um curso de guia intérprete, atividade que viria a abandonar, aos vinte e cinco anos, para estudar Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa. Contudo, no final do segundo ano, abandonou também a Filosofia e regressou ao Funchal, onde se dedicou exclusivamente à prática da escrita.

     Publicou o primeiro livro, “Matar a Imagem”, em 1989, tendo sido distinguida o Prémio Caminho Policial. Esta incursão pelo género policial não se revelará, no entanto, exclusiva. Uma marca do seu estilo único é a invulgar capacidade de fundir os géneros, criando um universo muito seu.

     Tem vindo, desde então, a publicar regularmente. Em 1989, recebeu o Prémio Revelação de Ficção da Associação Portuguesa de Escritores com a obra “As personagens”. Em 2005, a obra “Se nos encontrarmos” recebeu o prémio literário atribuído pelo P.E.N. Clube português na categoria Ficção, e, em 2006, venceu o Prémio Literário Edmundo Bettencourt, instituído pela Câmara Municipal do Funchal, com a obra “A Neve”, recebendo este mesmo prémio em 2010 com “A Outra”. Em 2007, a obra “A Neve” mereceu nova distinção, o Prémio Máxima de Literatura. Recebeu ainda, em 2012, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores com a obra “O Lago”.

     Em paralelo com as suas novelas e contos tem escrito livros para um público juvenil. A simplicidade muito trabalhada da prosa é a mesma, proporcionando histórias reconfortantes e amenas, talvez um “contraponto solar ao negrume habitual” da autora.

     Colabora com os jornais Público e Diário de Notícias (Funchal) e as revistas Islenha e Margem 2 (ambas do Funchal).

    «Nos últimos dezoito anos, Ana Teresa Pereira construiu uma das obras mais coerentes e sólidas da ficção nacional. De facto, sem que quase déssemos por isso, os mais de vinte romances que publicou, oscilando entre os fairy tales, o fantástico, o policial e o western, não necessariamente por esta ordem, fizeram do seu nome uma referência incontornável.» (Eduardo Pitta, Público).

 

Consulte aqui a bibliografia.

 

    Até que ponto é que transpôs recordações da sua infância para a sua obra?

   “Nasci numa ilha, cresci numa ilha. Há imagens que fazem parte de mim: a neve a cair no Pico do Areeiro, a estrada velha do Seixal num dia de tempestade, o Paul da Serra coberto por um lençol de água; o Paul do Mar que até há alguns anos era um lugar solitário, “the edge of the world”. O jardim da Quinta do Palheiro, onde se passam tantas das minhas histórias.

   Mas também cresci numa casa onde havia gatos e livros, sobretudo livros ingleses. Há imagens de livros que são tão fortes como as outras: a rapariga que se perde de noite nas ruas escuras cheias de nevoeiro e encontra uma loja aberta; a casa junto à charneca e as quatro crianças que brincam no jardim e cantam “Mulberry Bush” Eu podia passar o resto da vida a escrever a partir dessas duas imagens.”

[…]

  “Não acredito que as personagens se possam tornar autónomas. O escritor tem de controlar o mundo que criou.

  Escrever, como ler, deve ser uma experiência muito forte. Viver com o livro durante meses ou anos, tomar apontamentos. E um dia sentar-se à secretária e começar a escrevê-lo a partir de um bloco de notas. Quatro ou cinco dias a escrever, sem reler nada. E o livro está todo naquela primeira versão. Depois é preciso continuar a trabalhá-lo, mas ele já existe.

    Eu acredito que há um inconsciente do livro. A partir de certa altura começo a senti-lo. Uma frase que surge inesperadamente. Um gesto que ganha um novo sentido. Existe algo lá no fundo que por vezes vem até à superfície.

    E então todas as frases se tornam misteriosas. Todas as palavras se tornam estranhas.

   De certa forma, é uma língua desconhecida.

   E apaixono-me profundamente pelo livro.

   E depois, na altura de rever, o desencanto, as frases transformam-se em frases, e as palavras em palavras, e as imperfeições tornam-se bem visíveis.

   Mas depois, quando o livro está terminado, o que fica é o vazio, e sinto falta das personagens, e da casa, e do colar, e compreendo que não gosto muito de mim mesma.”

Escreve sempre, todos os dias?

   De forma alguma. Marguerite Yourcenar disse que o essencial não é a escrita, é a visão. Mas para merecermos a visão é preciso muito tempo. Os livros são feitos de tempo. Temos de ler, ver filmes, amar alguém ou alguma coisa, viajar, quem sabe encontrar as nossas personagens… e, acima de tudo, esperar. É preciso descer muito fundo para chegar ao lugar onde o livro se forma. Quando me sento para começar a escrever, o livro já está terminado mentalmente.

[…]

excertos de entrevistas ao Jornal da Madeira

 

MJLeite

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