José Luandino Vieira
Português de nascimento (natural de Lagoa do Furadouro, perto de Vila Nova de Ourém), José Vieira Mateus foi com os pais para Luanda quando tinha três anos, aí passou a infância e a juventude e concluiu os estudos secundários. Em homenagem à cidade onde cresceu e aprendeu Kimbundu (língua da região de Luanda e de outras zonas fronteiriças do Norte e do Centro, falada por mais de um milhão e meio de pessoas,
que faz parte da grande família de línguas africanas a que, a partir do século passado, os europeus convencionaram chamar Bantu), adotou o nome para Luandino.
Durante a Guerra Colonial, combateu nas fileiras do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), contribuindo para a criação da República Popular de Angola.
Detido pela PIDE, pela primeira vez em 1959, foi um dos acusados de “O Processo dos 50” (designação dada a um conjunto de três processos políticos que se iniciaram a 29 de Março de 1959 com as prisões de vários nacionalistas angolanos, terminando em 24 de Agosto do mesmo ano com a última prisão e que deve este nome ao facto de um dos detidos ter enviado para o seu irmão, que vivia no exterior, um folheto denunciando a prisão de cinquenta nacionalistas. A denúncia destas prisões, deu a conhecer ao mundo o que se passava em Angola, desmascarando as intenções da PIDE (Policia Internacional e de Defesa do Estado) de abafar e impedir que as prisões fossem de conhecimento internacional, evitando explicações pouco abonatórias ao regime de Salazar), acabando condenado a 14 anos de prisão, em 1961.
A sua estreia literária foi feita na revista Mensagem, da Casa dos Estudantes do Império de Lisboa, em 1950, tendo colaborado nesta revista em anos posteriores e noutros periódicos, como O Estudante (Luanda), Cultura (Luanda), Boletim Cultural do Huambo (Nova Lisboa), Jornal de Angola (Luanda), Vértice (Coimbra) e Jornal de Luanda.
Em 21 de Maio de 1965, estando preso há já quatro anos no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, a Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE), então presidida por Jacinto do Prado Coelho, atribuiu-lhe o Grande Prémio de Novela pela sua obra “Luuanda”.Depois de a imprensa portuguesa divulgar esta distinção, a Direcção dos Serviços de Censura proibiu qualquer referência ao prémio sem um enquadramento crítico face ao escritor, aos membros do júri e à própria SPE, cuja sede foi assaltada e destruída na noite de 21 de Maio por “desconhecidos”, na realidade elementos da polícia política PIDE e da Legião Portuguesa. Por despacho datado do mesmo dia 21 de Maio, o ministro da Educação Nacional, Inocêncio Galvão Teles, extinguiu a Sociedade Portuguesa de Escritores.
Em 2009, numa rara entrevista concedida ao jornal Público, o escritor confidenciou que as notícias do prémio chegaram tardiamente ao Tarrafal, pois o diretor do campo de detenção retardou a informação. Como o escritor estava impossibilitado de candidatar a obra, bem como o seu editor, foi com surpresa que percebeu que a obra fora, mesmo assim, distinguida, graças à intervenção do crítico literário Alexandre Pinheiro Torres.
Cumprida a prisão no Campo do Tarrafal, em Cabo Verde, regressou a Lisboa em 1972, ficando com residência vigiada. Trabalhou posteriormente com o editor Sá Costa até à Revolução de abril.
De volta a Angola, em 1975, ocupou os cargos de diretor da Televisão Popular de Angola (1975-1978), diretor do Departamento de Orientação Revolucionária do MPLA (1975-1979) e do Instituto Angolano de Cinema (1979-1984). Foi co-fundador da União dos Escritores Angolanos, de que foi secretário-geral (1975-1980 e 1985-1992), e secretário-geral adjunto da Associação dos Escritores Afroasiáticos (1979-1984).
Na sequência das eleições de 1992, e do reinício da guerra civil angolana, abandonou a vida pública, dedicando-se unicamente à literatura e regressou a Portugal, fixando-se em Vila Nova de Cerveira, Minho, onde hoje vive, de forma muito discreta, quase isolado, raramente aparecendo em público.
Em 2006, foi-lhe atribuído o Prémio Camões, distinção que recusou alegando, segundo um comunicado de imprensa, «motivos íntimos e pessoais». Entrevistas posteriores, sobretudo ao Jornal de Letras, vieram esclarecer que o autor não aceitara o prémio por se considerar um escritor “morto”, entendendo que o mesmo deveria ser entregue a alguém que continuasse a produzir. Ainda assim, publicou dois novos livros em 2006, e em 2015 surgiu “Papéis na prisão”, Apontamentos, Diário, Correspondência (1962-1971) que reúne o conjunto da sua produção diarística (cerca de duas mil folhas manuscritas) desde que foi detido pela PIDE no Aljube, em Novembro de 1961, passando por várias cadeias em Luanda, até ao dia em que saiu do Tarrafal, em 1972.
“O que está aqui não é um livro. São 12 anos da vida de uma pessoa multiplicados por cada segundo, e nesses 12 anos eu multiplicava cada segundo por tudo quanto me vinha à cabeça e nem sempre eram coisas recomendáveis. […] “Ao reler-me encontro em tudo ainda uma pequeníssima fagulha de qualquer coisa que precisa de ser soprada”, disse sobre a decisão de tornar públicos os dezassete cadernos que resultaram desse período da sua vida, acrescentando, de forma irónica, outra: “Publicar depois de morto é muito fácil, ninguém assume a responsabilidade”.
Foi distinguido com:
– o Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores (Prémio Camilo Castelo Branco), 1965;
– o Prémio Sociedade Cultural de Angola, 1961;
– o Prémio da Casa dos Estudantes do Império – Lisboa , 1963;
– o Prémio Mota Veiga,1963;
– o Prémio da Associação de Naturais de Angola, 1963;
– o Prémio Camões, 2006.
– o Prémio Cultura do Ministério da Cultura do Governo de Angola, 2008.
Consulte aqui a bibliografia.
Sons
A guitarra
é som antepassado
Partiram-se as cordas
esticadas pela vida.
Chorei fado.
Que importa hoje
se o recuso:
o ngoma é o som adivinhado.
Girassóis
Tem girassóis amarelos
o meu quadrado de sol
a vida espancada passa
mas no quadrado de sol
aberto sobre o jardim
os girassóis amarelos
velhos
mostram o fim
Leia aqui dois outros poemas o autor.
MJLeite
Classificado em: Escritores e Poemas