História que os Professores de Geologia devem conhecer (1)

Com este artigo damos início à publicação de um texto, mais longo que o habitual, da responsabilidade do Professor Galopim de Carvalho. Dada a extensão do mesmo, a sua publicação será feita por capítulos.

OS PRIMÓRDIOS

Ao alimentarem-se de frutos, raízes e animais que, de início, coletavam e, mais tarde, cultivavam ou apascentavam, os nossos antepassados pré-históricos interagiram de muito perto com a biodiversidade dos sucessivos ambientes que foram ocupando e, ao percorrerem esses ambientes, não puderam deixar de interagir com a geodiversidade, o chão de terra, de pedra ou e lama que pisaram, as pedras que apanharam e de que se serviram, as cavernas em que se abrigaram.  Alastrando a todas as latitudes, longitudes e altitudes, a superfície do planeta foi-se abrindo à sua observação e, neste domínio, ainda que de forma muito embrionária, podemos aceitar que se iniciaram nos conhecimentos da ciência que surgiu milénios mais tarde e a que foi dado o nome de Geologia.

Estabeleceram relações de causa-efeito entre as rochas e os minerais que foram encontrando e os mecanismos que lhes foi dado observar no mundo físico que foi o seu. Experimentaram o que puderam experimentar, deduziram o que souberam deduzir, inferiram o que conseguiram inferir e transmitiram, aos descendentes, o saber que neste e noutros domínios foram acumulando, servindo-se para tal das linguagens de que dispunham, nomeadamente o gesto e, mais tarde e progressivamente, a fala.

Presenciaram a chuva e os seus efeitos como poderoso agente de erosão, desde a simples e inofensiva escorrência, às grandes enxurradas e aluimentos de terras. Assistiram a catastróficas cheias próprias das planícies aluviais dos grandes rios e suportaram secas intermináveis. Andaram sobre as dunas e relacionaram-nas com o vento. Enfrentaram climas tórridos e outros imensamente frios, subiram e desceram montanhas, num acumular de experiências que lhes permitiram viver e sobreviver. Procuraram grutas para se protegerem das intempéries e de alguns dos animais com que partilharam o espaço e conheceram os pigmentos minerais com que pintaram algumas delas, numa demonstração de criatividade artística da sua condição humana.

Viram a lava incandescente a fluir e imobilizar-se por arrefecimento, transformada em rocha e deixaram as suas pegadas sobre as cinzas vulcânicas. Sentiram a terra tremer debaixo dos pés e ouviram o som cavo e assustador dos sismos. Conheceram o sílex e a sua caraterística fratura conchoidal, aprenderam a encontrá-lo nas suas jazidas e tiraram partido desses conhecimentos para produzir utensílios e armas. Verificaram idênticas características no quartzo macrocristalino (em especial, o hialino e o defumado) e nos vidros vulcânicos (obsidiana e outros) e deram-lhes a mesma utilização.

Conheceram a argila, a sua plasticidade quando misturada com a água e o seu endurecimento pelo fogo. Usaram o betume (asfalto) como combustível e, talvez, como fonte de iluminação, e prospetaram o ouro, a prata, os minerais de cobre, os de estanho e os de ferro, milhares de anos antes de a ciência lhes ter prestado atenção e lhes ter dado nomes. Aprenderam a explorá-los e ensaiaram as metalurgias, primeiro, a do bronze, há mais de 5000 anos e, cerca de mil anos depois, a do ferro. Fizeram tudo isto e muito mais antes dos sumérios, chineses e egípcios terem iniciado a arte de escrever.

Numa longa caminhada, tão velha quanto a humanidade, a Geologia, no seu todo, foi sendo descoberta pelo Homem, que tirou dos seus ensinamentos os proveitos que lhe permitiram progredir da simples busca do sílex à prospeção e exploração de recursos energéticos e de minerais estratégicos essenciais às modernas tecnologias da sociedade do presente.

(Continua)

A. M. Galopim de Carvalho

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