História que os Professores de Geologia devem conhecer (3)

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ANTIGUIDADE

A história do pensamento geológico radica nas mesmas origens da de outros domínios da ciência. Temos de ir buscá-la às civilizações chinesa, babilónica, egípcia e outras. Mas é, sobretudo, nos filósofos, geógrafos, astrónomos e poetas gregos e latinos que encontramos os fundamentos que deram suporte à ciência e à tecnologia de que hoje, absolutamente, dependemos.
A chamada Antiguidade Clássica refere um longo período da História da Europa, com especial incidência na metade oriental do Mediterrâneo, entre o surgimento da poesia grega de Homero, no século VIII a.C., e a queda do Império Romano do Ocidente, no último quartel do século V d.C. (mais precisamente, em 476). Durante este período, para além de outros aspetos relevantes, as antigas civilizações grega e romana abriram as portas à “Filosofia Natural”, dentro da qual encontramos os primórdios do conhecimento do que, mais de 2000 anos depois, se afirmaria como Geologia. Com efeito, naquele tempo, a Filosofia Natural, como o nome indica, ocupava-se da natureza, ou seja, do mundo físico (do grego antigo, “physis”, que traduz a ideia de natureza).

Foi na Grécia antiga, berço da civilização ocidental, que, à mistura com outros aspetos do mundo físico, surgiram os primeiros textos envolvendo temas desta importante área do saber científico. Filósofos gregos, com destaque para Leucipo de Mileto (nascido em 500 a. C.), Demócrito de Abdera (460-379 a. C.) e, mais tarde, Epicuro de Samos (341-270 a. C) escreveram os seus pensamentos sobre o atomismo. Para eles, tudo o que existe é composto por elementos indivisíveis chamados átomos (do grego, “a”, negação e “tomo”, divisível). Átomo é, pois, sinónimo de indivisível.
Para Platão (429-347 a. C.), o inovador do “idealismo” e do “inatismo”, havia a realidade: inteligível e a realidade sensível. Na sua teoria das ideias ou das formas, este, que foi o fundador da Academia de Atenas, defende que a realidade inteligível é igual a si mesma, imutável, e possuidora de existência própria, ao passo que a realidade sensível, mutável e dependente, abarca tudo o que afeta os sentidos. Para este discípulo de Sócrates (469-399 a. C.), a verdadeira realidade estava no mundo das ideias, das formas inteligíveis, apenas acessíveis através da razão. Para ele, as ideias começavam por ser formuladas no pensamento, sendo o raciocínio e a indução as principais vias para atingir o conhecimento.
Nesta linha de pensamento, os cultores da Filosofia Natural apoiavam-se numa abordagem mais de elaboração mental do que de observação ou de experimentação. Procuravam chegar à essência dos entes que possuem corpo e ao conhecimento das primeiras causas e dos princípios do mundo material, não dando grande ênfase à descrição dos objetos e dos fenómenos naturais.Discípulo de Platão, Aristóteles (384-322 a. C.) introduziu o racionalismo, a corrente filosófica assente na operação mental, discursiva e lógica, sendo por isso considerado um precursor do “Empirismo Filosófico”, a linha de pensamento segundo a qual o conhecimento científico deve ser baseado na observação do mundo e não na intuição ou na fé, como fora no passado. Não confundir com o empirismo que se refere ao método experimental introduzido, no século XIII, pelo inglês Roger Bacon.
Este, que foi o fundador do Liceu de Atenas, introduziu o termo “Física” em substituição de Filosofia Natural, e destacou-se pelas suas especulações e investigações no âmbito desta disciplina. Segundo ele, as ideias chegam-nos através dos sentidos, observando a realidade física, pelo que dava muita importância ao mundo exterior entendido como principal fonte do conhecimento e aperfeiçoamento das capacidades intelectuais. Para ele, o mundo inteligível é o obtido por abstração a partir do mundo sensível. As suas ideias sobre o “Empirismo Filosófico” e o “Racionalismo” influenciaram profundamente o cenário intelectual europeu até ao Renascimento, tendo sido o fundamento de todas as ciências que integram o universo do conhecimento, entre as quais se destaca a Geologia.

A ideia dos Quatro Elementos, ditos de Aristóteles, “terra”, “água”, “ar” e “fogo” tem origem na Pérsia, em meados do século IX a. C., de autoria desconhecida. Estes quatro elementos, então considerados como constituintes universais da matéria, são, pois, o culminar de uma conceção, muito anterior a este filósofo, que se desenvolveu gradualmente até ser objeto de uma formulação, mais completa e abrangente, da autoria de Empédocles (c. 450 a. C.), conhecida por Teoria das Substâncias ou Teoria dos Quatro Elementos. Relativamente a esta visão do mundo físico, coube a Aristóteles o mérito de a divulgar (Lapidário de Aristóteles) e de lhe dar um crédito tal que a fez singrar, incólume, por quase dois mil anos.
A igreja romana não só aceitou esta ideia como a impôs no essencial do seu conteúdo, opondo-a, constante e tenazmente, à conceção atómica de Demócrito, considerada materialista. Cerca de um século mais tarde, Estratão (340-268 a. C.), um outro defensor do através de uma via exclusivamente materialista, a ponto de ter prescindido de Deus “Materialismo”, na linha do “Atomismo” de Demócrito, ensinava que a matéria era constituída de partículas e de vazio. Alheio aos ensinamentos da teologia e da metafísica, explicava a natureza, no dizer de Cícero (106-43 a. C.), o grande filósofo latino. Ainda hoje se apelida de materialista a pessoa não crente em Deus.Foi grande e determinante a influência dos filósofos gregos no pensamento da Europa cristã, nomeadamente no saber científico medieval, quer através das suas obras originais, quer por via das traduções destas, feitas por eruditos árabes e judeus.Notas:
Os poemas de Homero – “Ilíada” e “Odisseia” – transmitidos oralmente, percorreram muitos séculos de história da Grécia antiga, pelo que se crê que são uma compilação de obras de autores de sucessivas gerações e que Homero não identifica um indivíduo, sendo, sim, um nome fictício.O “Inatismo” acredita e defende que o conhecimento de um indivíduo é uma característica que nasce com ele, que lhe é inata. Para os seus defensores, todas as qualidades e capacidades básicas de conhecimento já estariam em nós à nascença. Passavam de pais para filhos.

No “Idealismo” a realidade resume-se ao que é conhecido por meio de ideias. Só é racional para nós a partir das nossas ideias. Esta corrente filosófica defende a existência de uma só razão, a subjetiva, entendendo por razão a nossa capacidade para chegar a conclusões a partir de premissas ou dados.

O ”Racionalismo” dá a prioridade à razão, como faculdade de conhecimento relativamente aos sentidos. Defende-a como o caminho para se alcançar a Verdade.

O “Materialismo” defende que todas as coisas ou substâncias são compostas de matéria e que todos os fenómenos são o resultado de interações materiais.

(continua)

A. M. Galopim de Carvalho

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