Vale a pena recordar… a “Carta do Índio Seattle”

Em 1854, o chefe índio Seattle da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou uma carta ao Presidente dos Estados Unidos, em resposta à sua proposta de compra das terras onde a tribo morava.

A palavra “ecologia” ainda não era utilizada naquela época, mas a sua visão ecológica é surpreendente.   A carta foi divulgada pela UNESCO, em 1976, por altura das comemorações do Dia Mundial do Ambiente.

Todos os dias, mas especialmente hoje, vale a pena recordar aquela carta :

Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa ideia  parece-nos estranha. Se não possuímos a frescura do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?

Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, na floresta densa, cada clareira e insecto a zumbir são sagrados na memória e experiência do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.

Os mortos do homem branco esquecem a sua terra de origem, quando vão caminhar entre as estrelas. Os nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos húmidos nas planícies, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa a terra, pede-nos demasiado.

O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será o nosso pai e nós seremos os seus filhos. Portanto, nós vamos considerar a sua oferta de comprar a nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós.

Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar às vossas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz dos meus antepassados.

Os rios são nossos irmãos, saciam a nossa sede. Os rios carregam as nossas canoas e alimentam as nossas crianças. Se lhes vendermos esta  terra, vocês devem lembrar-se e ensinar aos vossos filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende os nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue o seu caminho. Deixa para trás os túmulos dos seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria dos seus filhos e não se importa. A sepultura do seu pai e os direitos dos seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. O seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, os nossos costumes são diferentes dos vossos. A visão das vossas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.

Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos.

E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro – o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas, se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar-se de que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha o seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu ao nosso avô o seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos esta terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.

Portanto, vamos meditar sobre a sua oferta de comprar a nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir.

Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco, que os alvejou de um combóio em andamenteo. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecermos vivos.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que acontece aos animais, em breve acontecerá ao homem. Tudo está ligado.

Vocês devem ensinar às vossas crianças que o solo aos seus pés é a cinza dos nossos avós. Para que respeitem a terra, digam aos seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas do nosso povo. Ensinem às vossas crianças o que ensinamos às nossas: que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.

O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu o tecido da vida; ele é simplesmente um dos seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.

Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos – e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir a nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem e a Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra  é-lhe preciosa, e feri-la é desprezar o seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem as vossas camas e uma noite serão sufocados pelos próprios dejectos.

Mas, quando desaparecerem, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão das colinas tapada por fios que falam.

Onde está o arvoredo? Desapareceu.

Onde está a águia? Desapareceu.

É o final da vida e o início da sobrevivência

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