Vitorino Nemésio

Vitorino Nemésio foi poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, crítico, biógrafo e historiador. Nascido na Ilha Terceira, Açores, frequentou a Universidade de Coimbra e foi professor catedrático da Faculdade de Letras em Lisboa.

 Além de professor e escritor, dedicou-se à televisão, com um programa cultural intitulado Se bem me lembro (1969-1975), através do qual levou o conhecimento e a cultura a milhões de portugueses Na sua conversa semanal de cerca de 20 minutos, em horário nobre, Nemésio revelou-se uma verdadeira estrela televisiva, tão extraordinária era a sua habilidade comunicativa.

 Da sua participação em jornais e revistas, destaca-se a colaboração na revista literária Presença, durante os anos de estudante em Coimbra, a fundação e direção da Revista de Portugal (1937-1940) e a direção de O Dia (1975-1976).

Ensaísta reputado, o seu prestígio na nossa história literária advém-lhe sobretudo do romance Mau Tempo no Canal (1944), história de amor e de sinuosidades familiares e sociais, e dos vários livros de poesia que o consagram como um dos grandes líricos do nosso século (O Verbo e a Morte, Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Poemas Graves), em que equaciona o sentido da existência humana perante os diversos conflitos que a centram: o sagrado e o profano, o saber e a ingenuidade, a cultura e a natureza, o amor excessivo e os desapegos da banalidade quotidiana.

Este grande escritor português nado e criado nos Açores, foi quem melhor sintetizou, no conjunto da sua obra literária, o que ele um dia designou por açorianidade. Como escritor e como açoriano, Nemésio assumiu esta dupla natureza do ilhéu e dela nos deixou memória escrita.

Pelo seu prestígio literário, recebeu o Prémio Nacional da Literatura (1965) e o Prémio Montaigne (1974).

Faleceu a 20 de Fevereiro de 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF, e foi sepultado em Coimbra.

A 30 de Agosto de 1978 foi agraciado, a título póstumo, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

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Retrato

Cruel como os Assírios,

Lânguido como os Persas,

Entre estrelas e círios

Cristão só nas conversas.

 

Árabe no sossego,

Africano no ardor;

No corpo, Grego, Grego!

Homem, seja onde for.

 

Romano na ambição,

Oriental no ardil,

Latino na paixão,

Europeu por subtil:

 

Homem sou, homem só

(Pascal: “nem anjo nem bruto”):

Cristãmente, do pó

Me levanto impoluto.

Nem Toda a Noite a Vida

 

Barcarola

Viemos de vagar. Vim de vagar.
Vinde connosco de vagar,
Que temos tempo para ir
À ida e volta, e ainda tornar.
Se de vagar se vai ao longe,
Iremos,
Bem de nosso vagar,
À ilha verde, ah… sem luar,
Aonde o cabo é de acabar,
Pois morrer sim, mas de vagar!
Vaga da vida vácua a enche
O nosso vago divagar
Como maré cheia no mar.
Vagando em voga (barca é a morte).
Vamos com ela navegar,
De nave à neve e à nova nuvem:

Caronte a anda a acastelar
Com seu terrível vagar.
Então?
Mais baixo e mais de vagar!

Nem Toda a Noite a Vida

A Concha

A minha casa é concha. Como os bichos

Segreguei-a de mim com paciência:

Fachada de marés, a sonho e lixos,

O horto e os muros só areia e ausência.

 

Minha casa sou eu e os meus caprichos.

O orgulho carregado de inocência

Se às vezes dá uma varanda, vence-a

O sal que os santos esboroou nos nichos.

 

E telhados de vidro, e escadarias

Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!

Lareira aberta ao vento, as salas frias.

 

A minha casa… Mas é outra a história:

Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,

Sentado numa pedra de memória.      

O Bicho Harmonioso

Maria José Ferreira

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