Agostinho da Silva

Filósofo, poeta e ensaísta português, George Agostinho Baptista da Silva nasceu no Porto em 1906, tendo-se ainda nesse ano mudado para Barca d’Alva (Figueira de Castelo Rodrigo), onde viveu até aos seus 6 anos, regressando depois ao Porto, onde inicia os estudos na Escola Primária de São Nicolau em 1912.

Ingressa em 1914 na Escola Industrial Mouzinho da Silveira e completa os estudos secundários no Liceu Rodrigues de Freitas, de 1916 a 1924. Com um percurso académico notável, de 1924 a 1928, frequenta Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, concluindo a licenciatura com 20 valores. Depois disso começa a escrever para a revista Seara Nova, colaboração que manteve até 1938.

Em 1929, com apenas 23 anos, defende a sua dissertação de doutoramento a que dá o nome de “O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas”, doutorando-se “com louvor”.

Em 1931, parte como bolseiro para Paris, onde estuda na Sorbonne e no Collège de France. Regressa em 1933, lecionando nos dois anos seguintes no ensino secundário em Aveiro. Em 1935, é demitido do ensino oficial por se recusar a assinar a Lei Cabral, que obrigava todos os funcionários públicos a declararem por escrito que não participavam em organizações secretas (ditas subversivas). No mesmo ano, consegue uma bolsa do Ministério das Relações Exteriores de Espanha e vai estudar para o Centro de Estudos Históricos de Madrid. Em 1936, regressa a Portugal devido à iminência da Guerra Civil Espanhola.

Cria o Núcleo Pedagógico Antero de Quental em 1939, e em 1940 publica Iniciação: cadernos de informação cultural. É preso pela polícia política em 1943, abandonando o país no ano seguinte em direção à América do Sul, passando pelo Brasil, Uruguai e Argentina, no seguimento da sua oposição ao Estado Novo conduzido por Salazar.

Em 1947, instala-se definitivamente no Brasil, onde vive até 1969. Em 1948, começa a trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, estudando entomologia, e ensinando simultaneamente na Faculdade Fluminense de Filosofia. De 1952 a 1954, ensina na Universidade Federal da Paraíba (em João Pessoa (Paraíba) e também em Pernambuco.

Em 1954, em colaboração com Jaime Cortesão, ajuda a organizar a Exposição do Quarto Centenário da Cidade de São Paulo. É um dos fundadores da Universidade Federal de Santa Catarina, cria o Centro de Estudos Afro-Orientais e ensina Filosofia do Teatro na Universidade Federal da Bahia, tornando-se em 1961 assessor para a política externa do presidente Jânio Quadros. Participa na criação da Universidade de Brasília e do seu Centro Brasileiro de Estudos Portugueses no ano de 1962 e, dois anos mais tarde, cria a Casa Paulo Dias Adorno, em Cachoeira, e idealiza o Museu do Atlântico Sul, em Salvador da Bahia.

Regressa a Portugal em 1969, após a doença e morte de Salazar e a sua substituição por Marcello Caetano, o que dá origem a alguma abertura política e cultural no regime. Continua a escrever e a lecionar em diversas universidades portuguesas, dirigindo o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Técnica de Lisboa, e no papel de consultor do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, hoje, Instituto Camões.

Em 1990, a RTP1 emitiu uma série de treze entrevistas com o professor Agostinho da Silva, denominadas Conversas Vadias.

Afirmando a liberdade como a mais importante qualidade do ser humano, Agostinho da Silva é considerado um filósofo prático empenhado, já que perseguiu, através da sua vida e obra, a mudança da sociedade.

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Queria que os Portugueses

Queria que os portugueses
tivessem senso de humor
e não vissem como génio
todo aquele que é doutor

sobretudo se é o próprio
que se afirma como tal
só porque sabendo ler
o que lê entende mal

todos os que são formados
deviam ter que fazer
exame de analfabeto
para provar que sem ler

teriam sido capazes
de constituir cultura
por tudo que a vida ensina
e mais do que livro dura

e tem certeza de sol
mesmo que a noite se instale
visto que ser-se o que se é
muito mais que saber vale

até para aproveitar-se
das dúvidas da razão
que a si própria se devia
olhar pura opinião

que hoje é uma manhã outra
e talvez depois terceira
sendo que o mundo sucede
sempre de nova maneira

alfabetizar cuidado
não me ponham tudo em culto
dos que não citar francês
consideram puro insulto

se a nação analfabeta
derrubou filosofia
e no jeito aristotélico
o que certo parecia

deixem-na ser o que seja
em todo o tempo futuro
talvez encontre sozinha
o mais além que procuro.

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Revolução

Pena que as revoluções
não as façam os tiranos
se fariam bem em ordem
durariam menos anos

liberdade sairia
como verba de orçamento
e se houvesse qualquer saldo
se inventava suplemento

pagamento em dia certo
daria para isto aquilo
o que sobrasse guardado
de todo o assalto a silo

mas o que falta aos tiranos
é só imaginação
e o jeito na circunstância
é mesmo a revolução.

                                          in Poemas

“Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que, depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence.”

“Temos, sobretudo, de aprender duas coisas: aprender o extraordinário que é o mundo e aprender a ser bastante largo por dentro, para o mundo todo poder entrar.”

 

Maria José Leite

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