Fernando Namora
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Fernando Gonçalves Namora (1919-1989) nasceu em Condeixa-a-Nova a 15 de abril.
Concluída a instrução primária na escola local, inicia os estudos liceais no Colégio Camões, em Coimbra. Em 1932, transita para o Liceu Camões, em Lisboa, onde permanece durante dois anos, sendo aí condiscípulo de Jorge de Sena. Redige e ilustra um jornal do Liceu, manuscrito. Acentua-se a sua vocação para as artes plásticas, manifestada desde a infância.
Em 1935, de novo estudante em Coimbra, agora no Liceu José Falcão, surge como director do Jornal académico Alvorada e é durante esse período que escreve o seu primeiro livro, Almas sem Rumo, colectânea de novelas, que fica inédito. Mais tarde, em 1939, será co-director da revista literária Altitude.
Em 1938, é publicado o seu primeiro livro de poemas, Relevos. Com outros companheiros de geração, intervém na organização dos Cadernos da Juventude, cujo primeiro e único número é apreendido e destruído antes de ser posto à venda. No mesmo ano publica o romance As Sete Partidas do Mundo, que obteve o Prémio Almeida Garrett. É-lhe atribuído o Prémio Mestre António Augusto Gonçalves, de artes plásticas.
Em 1940, casa com Arminda Bragança de Miranda, que morre de parto nove meses depois. Nasce a sua primeira filha, Arminda Maria.
Em 1941, juntamente com outros companheiros, concretiza a ideia do «Novo Cancioneiro», que assinala o advento do neo-realismo, demarcando uma viragem na literatura portuguesa. Essa colecção poética principia com o seu livro Terra.
Em 1942, conclui a licenciatura em Medicina e abre consultório em Condeixa. Publica o romance Fogo na Noite Escura.
Entre 1943 e 1950 passa a exercer Medicina em várias zonas rurais do país, de Castelo Branco a Monsanto da Beira (cuja paisagem física e humana irá vincar profundamente a sua obra) e Pavia A sua profissão de médico terá grandemente influenciado a sua obra ficcional, em especial Retalhos da Vida de um Médico (1949) e Domingo à Tarde (1960).
Em 1944, casa com Isaura de Campos Mendonça, estudante, e nasce, em 1945, em Monsanto, a sua segunda filha, Margarida Maria.
Em 1949, é publicada a primeira série de Retalhos da Vida de Um Médico, que obterá o Prémio Vértice. A segunda série será publicada em 1963. Participa, em Paris, numa exposição internacional de artistas plásticos médicos.
Em 1950, sai o romance A Noite e a Madrugada. Em Dezembro desse ano, é admitido como assistente do Instituto Português de Oncologia, em Lisboa.
Em 1952, dá a lume a primeira versão de Deuses e Demónios da Medicina. É-lhe atribuído o Prémio Ricardo Malheiros pela nova versão do romance Minas de San Francisco. Realiza a sua primeira viagem ao estrangeiro, visitando a França, Bélgica e Holanda.
Em 1954, sai a primeira edição estrangeira dos seus livros: Escenas de la vida de un médico, que repercutiu rapidamente noutros países. É publicado o romance O Trigo e o Joio.
Em 1959 edita Cidade Solitária e a colectânea As Frias Madrugadas, na qual reúne toda a sua produção poética anterior.
Em 1960, sai o romance Domingo à Tarde, que obtém o Prémio José Lins do Rego.
Em 1965, convidado a participar nos Encontros Internacionais de Genebra, recolhe aí elementos para um livro que abre um novo caminho na sua obra, entre o ensaísmo e a ficção: Diálogo em Setembro. Abandona o lugar de assistente do Instituto Português de Oncologia.
Em 1968, é editado o primeiro volume da série «Cadernos de Um Escritor», com o título Um Sino na Montanha.
Em 1969, sai o livro de poemas Marketing, que reúne a produção poética compreendida entre 1959 e 1969.
Em 1972, é-lhe atribuído o Grande Prémio SOPEM, destinado a galardoar o conjunto da obra de um escritor médico.
Em 1974, é publicado o livro Estamos no Vento, a que o autor chama «narrativa literário-sociológica», no qual aborda a temática da juventude e a ruptura entre gerações.
Em 1980, publica Resposta a Matilde.
Em 1982, publica Rio Triste, romance a que foi atribuído o Prémio Fernando Chinaglia.
Em 1984, sai o livro de poemas Nome para uma Casa.
Em 1988, comemora-se o 50.º ano da sua vida literária. É agraciado com a Grã Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique.
Morre em Lisboa, a 31 de janeiro de 1989.
Foram feitas várias adaptações das suas obras para cinema e televisão:
– o romance Domingo à Tarde foi adaptado ao cinema por António de Macedo em 1966. O filme é selecionado para o Festival de Veneza;
– em 1962, Retalhos da Vida de um Médico é adaptado ao cinema, por Jorge Brum do Canto (O filme é seleccionado para o Festival de Berlim); desta obra foi feita uma série televisiva entre 1979 e 1980;
– em 1986, surge a adaptação para televisão de Resposta a Matilde;
– Manuel Guimarães adapta ao cinema o romance O Trigo e o Joio.
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Marketing
Aqui a meu lado o bom cidadão
escolheu Sagres
que é tudo tudo cerveja
a pausa que refresca
a longa pausa de um longo cigarro King Size.
atenção ao marketing.
Eu não gosto de cerveja
mas tenho de gostar que os outros gostem de cerveja
sobretudo da Sagres
para não contrariar os fabricantes de cerveja.
atenção ao marketing.
Ninguém contraria os fabricantes de cerveja
ninguém contraria os fabricantes do Opel e da Super Silver
nem os fabricantes de alcatifas para panaceias
nem as panaceias nem os códigos e os édredons macios
nem as mensagens de natal dos estadistas
nem os negociantes de armas da Suíça
nem o homem de capa negra que virou as costas ao Palmolive.
(…)
Obedeço ao marketing não contrario.
Ninguém contraria os fabricantes das ideias e os fabricantes do Fula
que é o da cor do sol
ninguém pisa os riscos brancos do tráfego
nem chama os bombeiros sem concorrer ao sorteio
concorro concorro e vejo nos sinaleiros o pai natal vestido de Scotchgard
ninguém sai do emprego antes de assinar o ponto a horas fixas
e gastar o dinheiro da semana sábado à tarde
no Dardo que é tudo a prestações e é mesmo em frente da Música no Coração.
Fazendo Portugal mais alegre com o folclore da TV e a tinta Robbialac
não contrario obedeço obedeço e meto os meninos na cama
quando me dizem vamos dormir.
atenção ao marketing.
Sagres é uma boa cerveja
e eu acabarei por gostar da Sagres
como gosto do Rexina.
Sagres é a pausa que refresca e tem vitaminas
todas as bebidas da televisão têm vitaminas
mesmo as do programa literário que é detergente
e eu uso-as e sou um cidadão perfeito
e até já consigo adormecer com hipnóticos
depois de tomar o Tofa descafeinado
e no Verão visto calções de banho de fibras sintéticas
para me banhar na Torralta
cidadão perfeito perfeitamente bronzeado com o Ambre Solaire.
Também vou arear as caçarolas e os nervos e os miolos
com um pó azul de que não me lembra o nome
não me lembra mas a culpa já não é minha
porque na mesma noite
massajado com Aqua Velva
fiz a barba com Gillette, e Schick e Nacet
e fui não sei aonde sempre com a mesma lâmina
e oito dias depois (eu era actor ou toureiro?)
a lâmina ainda me escanhoou mais uma barba
antes de eu descer no aeroporto
onde me esperava um agente do marketing.
(…)
Tudo coisas admiráveis e desesperadamente necessárias
que eu devo ao marketing
e me são cozinhadas num abrir e fechar de olhos
nas palavras de pressão
de todo o bom cidadão.
E no intervalo bebi café puro o do gostinho especial
Sical Sical que é um luxo verdadeiro
Por pouco dinheiro.
Vitonizado esterilizado comprando e concorrendo
esqueci-me de amar do amor das árvores e do rio
esqueci-me de mim tão entretido estava a admirar a Lisnave
esqueci-me do rio e dos barcos
e da saudade de pedra do Fernando Pessoa
e esqueci-me de sonhar que era marinheiro.
(…)
Numa onda de brancura obedeço ao marketing. Sou um bom cidadão.
E na mesma noite
vi umas bombas que caíam muito ao longe
numa lonjura mais longe que a Lua
onde as pessoas podiam estar quietas a fumar Marialvas
e a lavarem-se com Rino que lava lava lava
lava três vezes mais lava ou mata que se farta
e me ajuda a ser bom cidadão.
atenção ao marketing.
Vi uns homens a inaugurarem estátuas
e vi fardas e paradas e conferências
e crianças a sorrir
para os homens sorridentes que inauguravam estátuas
e vi homens que falavam e pensavam por mim
a escolherem por mim o bom e o mau
de modo a que eu não possa ser tentado
a confundir o mau com o bom ou vice-versa ou vice-versa.
Deitado no conforto de um Lusospuma
vi os porcalhões dos hippies nas ruas de Estocolmo
bem longe nas ruas de Estocolmo
mesmo a pedirem uns safanões
dos homens que acariciam crianças
e têm todas as verdades na mão
só para que eu seja um bom cidadão.
É isto: marco o rumo. As minhas cuecas marcam o rumo.
Preciso e gosto de uma data de coisas
e só agora o sei.
Menos da Sagres. Mas acabarei por gostar.
Ninguém contraria o marketing por muito tempo.
Ninguém contraria os fabricantes de bem fazer
o bom cidadão.
E tudo graças ao marketing.
MJFerreira
Classificado em: Escritores e Poemas