Mário de Sá-Carneiro

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Filho de um coronel de engenharia, ficou órfão de mãe aos dois anos. Iniciou os seus estudos em Direito na cidade de Coimbra, tendo partido depois para Paris, em 1912, para cursar também Direito, estudos que abandonaria pouco depois por se ter deixado seduzir por uma vida desregrada e de boémia. De temperamento instável e inadaptado, dedicou-se, na capital francesa, à produção de grande parte da sua obra poética.

É em 1912 que, com a publicação da peça de teatro Amizade, de colaboração com um condiscípulo, Tomás Cabreira Júnior, se estreia na literatura. Do mesmo ano é o volume de contos Princípio, seguindo-se, em 1914, a novela A Confissão de Lúcio e o volume de poemas Dispersão, um outro volume de novelas, Céu em Fogo, em 1915. Indícios de Oiro, poesia, é publicado postumamente, em 1937.

A sua colaboração ativa na revista Orpheu (1915) e a amizade documentada nas Cartas a Fernando Pessoa, escritas entre Outubro de 1912 e Abril de 1916, definem, entretanto, o perfil psicológico e literário de Mário de Sá-Carneiro. Essas cartas constituem um dos melhores testemunhos pessoais da geração literária a que ambos pertencem. Nesta correspondência está presente a confiança no amigo: «As suas cartas, meu caro Fernando, essas são, pelo contrário, alguma coisa de profundamente bom que me conforta, anima, delicia – fazem-me por instantes feliz.» (carta de 7-1-1913). «É que você, meu querido Fernando Pessoa, é, em verdade completa, o meu único camarada.» (carta de 22-8-1915). Uma confiança que tinha a ver não só com a confissão das suas sucessivas crises psicológicas, mas ainda com a permanente necessidade de obter de  Pessoa o veredito final sobre os poemas e novelas que ia escrevendo.

Mário de Sá-Carneiro viveu sempre entre a «dor de ser quase», num constante conflito entre um eu (vil e prosaico) com um outro (seu duplo ideal), dilacerando-se interiormente num processo de crescente autodestruição. Em 31 de Março de 1916, escrevia a Fernando Pessoa: «Não me perdi por ninguém: perdi-me por mim, mas fiel aos meus versos.»

O seu suicídio, com 26 anos (em 1916, Paris), vem pôr fim àquele sentimento de inadaptação à vida, de permanente incompletude e, sobretudo, de consciência dolorosa da irremediável cisão do eu que alimentaram a sua obra.

Sendo um dos principais representantes do Modernismo português, deixou um forte ascendente sobre a poesia contemporânea de gerações posteriores à sua, ecoando na literatura da geração de 50, passando por nomes tão diversos como Sebastião da Gama, Mário de Cesariny ou Alexandre O’Neill.

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7

Eu não sou eu nem sou o outro,

Sou qualquer coisa de intermédio:

Pilar da ponte de tédio

Que vai de mim para o Outro.

in “Indícios de Oiro”

 

O Recreio

Na minha Alma há um balouço

Que está sempre a balouçar —

Balouço à beira dum poço,

Bem difícil de montar…

 

— E um menino de bibe

 Sobre ele sempre a brincar…

 

 Se a corda se parte um dia

 (E já vai estando esgarçada),

 Era uma vez a folia:

 Morre a criança afogada…

 

— Cá por mim não mudo a corda,

 Seria grande estopada…

 

Se o indez morre, deixá-lo…

 Mais vale morrer de bibe

 Que de casaca… Deixá-lo

 Balouçar-se enquanto vive…

 

— Mudar a corda era fácil…

 Tal ideia nunca tive…

 

Quási

Um pouco mais de sol – eu era brasa.

Um pouco mais de azul – eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…

 

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído

Num baixo mar enganador de espuma;

E o grande sonho despertado em bruma,

O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

 

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,

Quase o princípio e o fim – quase a expansão…

Mas na minh’alma tudo se derrama…

Entanto nada foi só ilusão!

 

De tudo houve um começo… e tudo errou…

– Ai a dor de ser-quase, dor sem fim… –

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se elançou mas não voou…

 

Momentos de alma que desbaratei…

Templos aonde nunca pus um altar…

Rios que perdi sem os levar ao mar….

Ânsias que foram mas que não fixei…

 

Se me vagueio, encontro só indícios…

Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;

E mãos de herói, sem fé, acobardadas,

Puseram grades sobre os precipícios…

 

Num ímpeto difuso de quebranto,

Tudo encetei e nada possuí…

Hoje, de mim, só resta o desencanto

Das coisas que beijei mas não vivi…

 

…………………………………..

…………………………………..

 

Um pouco mais de sol – e fora brasa,

Um pouco mais de azul – e fora além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…

in “Dispersão”

 

MJLeite

2 comentários para “Mário de Sá-Carneiro”

  1. O … Poeta.

  2. Um momento muito especial reler estes versos, há muito guardados na minha memória.

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