José Cardoso Pires
Durante o seu percurso académico, exerceu várias profissões e conviveu com vários intelectuais, entre eles, Luís Pacheco e Mário Cesariny.
Em 1945, abandonou os estudos e alistou-se na marinha mercante, exercendo, após concluir o serviço militar, várias profissões: intérprete, correspondente, redator, tradutor, diretor editorial, …
Entre 1969 e 1971, foi professor de Literatura Portuguesa e Brasileira na Universidade de Londres.
Foi cronista do Diário de Lisboa e colaborou em várias publicações, como Vértice, Gazeta Musical e de Todas as Artes, devendo-se-lhe o lançamento da revista Almanaque, passando pela sua redação nomes como Luís Sttau Monteiro, Alexandre O’Neill, Vasco Pulido Valente, Augusto Abelaira e José Cutileiro.
Participou e promoveu atividades de resistência cultural à repressão, com a constituição do núcleo português da Association Internationale pour la Liberté de la Culture, a fundação do suplemento cultural “& Etc”, do Jornal do Fundão.
Faz a sua estreia na ficção, em 1949, com “Caminheiros e Outros Contos”, seguindo-se “Histórias de Amor”, em 1952, obras apreendidos pela censura, motivando a segunda a sua primeira detenção, mantendo uma atitude combativa e de intervenção cívica num país marcado pelo regime salazarista.
Depois de Eça de Queirós, terá sido um dos romancistas portugueses que usou, com mestria, a ironia e o humor para a crítica social.
O autor e a sua obra foram galardoados várias vezes, destacando-se:
– Prémio Camilo Castelo Branco, pela obra “Hóspede de Job”, 1964;
– Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, com “A Balada da Praia dos Cães”, em 1982 (obra adaptada, em 1987, para cinema por José Fonseca e Costa);
– Prémio Especial da Associação de Críticos do Brasil, por “Alexandra Alpha”, em 1988;
– Prémios D. Dinis e da Críticado Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, com “De Profundis, Valsa Lenta”, obra publicada em 1997, após o autor ter recuperado de um acidente vascular cerebral);
– Prémio Internacional União Latina, 1991;
– o Astrolábio de Ouro do Prémio Internacional Último Novecento, em 1992;
– Prémio Bordalo de Literatura da Casa da Imprensa, em 1994 e em 1997;
– Prémio Pessoa, em 1997;
– Grande Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, em 1998.
A 1 de Outubro de 1985 foi feito Comendador da Ordem da Liberdade e a 4 de Fevereiro de 1989 recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Mérito.
Um novo acidente vascular cerebral, em 1998, causar-lhe-ia a morte.
Consulte aqui a bibliografia.
«Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa.
Lá vai o português… lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio – índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos.
No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma poderia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero, ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu, com muita honra. E nisto não é como o coral que faz pé firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo, que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. (De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda).
Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História.
Chega-se a perguntar: está vivo? E claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado.
Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e de calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar.
É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos.
Assim, como?
(…)”
in E agora, José?
Classificado em: Escritores e Poemas