Ramalho Ortigão
O homem sem educação, por mais alto que o coloquem, fica sempre um subalterno.
O mais velho de nove irmãos, viveu a sua infância com a avó materna, numa quinta do Porto, e foi educado pelo seu tio-avô e padrinho Frei José do Sacramento.
Em Coimbra, frequentou fugazmente o curso de Direito, vindo mais tarde a ensinar francês no Colégio da Lapa, no Porto, colégio que viria depois a dirigir, a exemplo do seu pai.
Faz a sua estreia no jornalismo no “Jornal do Porto”, colaborando em diversas publicações, nomeadamente “Acção realista”, “Branco e Negro”, Semanario Illustrado”, “Brasil-Portugal”, “Contemporânea”, “Galeria republicana”, “A imprensa: revista científica, literária e artística”, “O occidente: revista illustrada de Portugal e do estrangeiro”, “A semana de Lisboa: supplemento do Jornal do Commercio”, “Serões: revista semanal ilustrada”, “O Thalassa: semanario humoristico e de caricaturas”.
Em 24 de outubro de 1859 casou com D. Emília Isaura Vilaça de Araújo Vieira, de quem veio a ter três filhos: Vasco, Berta e Maria Feliciana.
Ainda no Porto, envolveu-se na Questão Coimbrã com o folheto “Literatura de hoje”, acabando por enfrentar Antero de Quental num duelo de espadas, após o ter apodado de cobarde por ter insultado António Feliciano de Castilho.
Em 1867, em resultado da sua visita à Exposição Universal em Paris, publicou “Em Paris”, seguindo-se-lhe outros livros de viagens.
Insatisfeito com a sua vida no Porto, veio viver para Lisboa com a família, obtendo uma vaga para oficial da Academia das Ciências de Lisboa.
Foi em Lisboa que reencontrou Eça de Queirós, que fora seu aluno, e com ele escreveu “O Mistério da Estrada de Sintra” (um “romance execrável” nas palavras dos próprios) que marcou o aparecimento do romance policial em Portugal.
Em parceria com Eça de Queirós, surgiram em 1871 os primeiros folhetos de “As Farpas” (panfletos de oposição social e política pelo riso que são publicados mensalmente), de que resultaram a compilação em dois volumes, “Uma Campanha Alegre”. Em finais de 1872, Eça de Queirós partiu para Havana para aí exercer o seu primeiro cargo consular no estrangeiro, continuando Ramalho Ortigão a redigir sozinho “As Farpas”.
Entretanto, Ramalho Ortigão tornara-se uma das principais figuras da chamada Geração de 70 que pretendia aproximar Portugal das sociedades modernas europeias. Todavia, um sentimento de desilusão fá-los regressar às raízes, buscando o “reaportuguesamento de Portugal”. É dessa segunda fase a constituição do grupo “Os Vencidos da Vida”, do qual fizeram parte, além de Ramalho Ortigão, o Conde de Sabugosa, o Conde de Ficalho, o Marquês de Soveral, o Conde de Arnoso, Antero de Quental, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Carlos Lobo de Ávila, Carlos de Lima Mayer e António Cândido. A estes intelectuais juntava-se a nobreza, num último esforço para restaurar o prestígio da Monarquia.
Na sequência do assassínio do Rei, em 1908, escreve “D. Carlos, o Martirizado”. Com a implantação da República, em 1910, pede imediatamente a Teófilo Braga a demissão do cargo de bibliotecário da Real Biblioteca da Ajuda, escrevendo que se recusava a aderir à República “engrossando assim o abjecto número de percevejos que de um buraco estou vendo nojosamente cobrir o leito da governação”. Saiu então para um exílio voluntário em Paris, onde começou a escrever “Últimas Farpas” (1911-1914) contra o regime republicano. “As Farpas”, reunidas posteriormente em quinze volumes, foi a obra que mais o notabilizou.
Regressado a Portugal em 1912, veio a falecer em 27 de setembro de 1915, na sua casa da Calçada dos Caetanos, na Freguesia da Lapa.
Foi Comendador da Ordem de Cristo e Comendador da Ordem da Rosa, no Brasil. Além de bibliotecário na Real Biblioteca da Ajuda, foi Secretário e Oficial da Academia Nacional de Ciências, Vogal do Conselho dos Monumentos Nacionais, Membro da Sociedade Portuguesa de Geografia, da Academia das Belas-Artes de Lisboa, do Grémio Literário, do Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, e da Sociedade de Concertos Clássicos do Rio de Janeiro. Em Espanha, foi-lhe atribuída a Grã-Cruz da Ordem de Isabel a Católica e foi membro da Academia de História de Madrid, da Sociedade Geográfica de Madrid, da Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, da Unión Iberoamericana e da Real Academia Sevillana de Buenas Letras.
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Aproxima-te um pouco de nós, e vê. O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A práctica da vida tem por única direcção a conveniência. Não há príncipio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima abaixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguer. A agiotagem explora o lucro. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é dramático. O professor é um empregado de eleições. A população dos campos, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinhas e de vinho, trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, puxa uma vida miserável, sacudida pela penhora; a população ignorante, entorpecida, de toda a vitalidade humana conserva unicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática. No entanto a intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com padre-nossos maquinais. Não é uma existência, é uma expiação. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido! Ninguém se ilude. Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens. E que se faz? Atesta-se, conversando e jogando o voltarete que de norte a sul, no Estado, na economia, no moral, o país está desorganizado e pede-se conhaque!”
“As Farpas”
Leia aqui algumas reflexões e citações do autor.
MJLeite
Classificado em: Escritores e Poemas