Jaime Cortesão

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Estudou no Porto, em Coimbra e em Lisboa vindo a formar-se em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, em 1909. Lecionou no Porto de 1911 a 1915, quando foi eleito deputado por aquela cidade, e foi aqui que, com outras personalidades da época, defendeu o ideal republicano e democrático.

Fundou, com Leonardo Coimbra e outros intelectuais, em 1907 a revista Nova Silva e, em 1910, com Teixeira de Pascoaes, colaborou na fundação da revista A Águia. Em 1912, iniciou o movimento Renascença Portuguesa, que publicava o boletim A Vida Portuguesa. Colaborou igualmente nas revistas Atlantida (1915-1920), Ilustração (1926-), Illustração portugueza (1903-1924)) e Serões (1901-1911). Foi um dos fundadores da revista Seara Nova, em 1921.

Entretanto, a sua alma de poeta revelava-se em versos de rara beleza, publicando, no círculo do movimento da Renascença Portuguesa, vários livros de poesia, com destaque para “Glória Humilde” (1914) em que aparece o verso emblemático de toda a sua vida: “Eu canto o meu Amor e a minha Terra”.

Admirador da criatividade poética do Povo, organizou o “Cancioneiro Popular e Cantigas do Povo” para as escolas, obras que viriam a integrar o programa pedagógico e cultural da República.

Com o objectivo de garantir a instrução das camadas mais desprotegidas do povo, nasceram, em 1912 e em várias cidades, as Universidades Livres e Populares que organizaram cursos especiais nocturnos em que as aulas de “História” e “Literatura” eram dadas gratuitamente por Jaime Cortesão, que, entretanto, abandonara o exercício da medicina para se dedicar exclusivamente ao magistério no Liceu.

Manteve o empenho em difundir cultura e saber nos anos em que foi Director da Biblioteca Nacional, (1919 -1927), rodeando-se de intelectuais, e em que foi responsável pela revista Seara Nova, que rapidamente se tornou num instrumento de renovação das ideias políticas, artísticas e culturais na sociedade portuguesa.

Como historiador, Jaime Cortesão conquistou o respeito e o louvor da comunidade científica, pelo rigor objetivo da investigação, pela interpretação criativa dos factos e documentos e pela elegância da sua expressão verbal. “Fez da investigação histórica a que se dedicou com alma e paixão, uma lição de civismo.”, afirmou Urbano Tavares Rodrigues.

Homem de gabinete e de arquivo, foi também um homem de acção e de rua, um combatente pela liberdade e pela democracia, o que viria a determinar, em 1918, a sua prisão às ordens de Sidónio e, mais tarde, à fuga para Espanha, depois do movimento revolucionário contra a ditadura em que participara, em fevereiro de 1927. Aí conspirou com outros exilados contra o poder instalado em Portugal, fugindo depois para França, durante o bombardeamento de Barcelona pela aviação de Franco, em que, ao lado da esposa, e de outros refugiados, atravessou a pé os Pirenéus cobertos de neve, carregando a mala dos manuscritos, mas perdendo grande parte dos ficheiros.

De regresso a Portugal, em 1940, foi de novo preso em Peniche e no Aljube, dando aí lições de História aos presos. É posteriormente expulso para o Brasil (com um passaporte manchado com a vergonhosa designação de “banido”), passando dezassete anos longe do seu país.
Regressou definitivamente a Portugal em 1957, continuando a combater pela democracia. Participou no Diretório Democrático-social, viu o seu nome indicado para candidato à presidência da República, pela oposição, mas recusou o convite e envolveu-se na campanha de Humberto Delgado.

Foi membro da Academia das Ciências de Lisboa, do Instituto de Coimbra, do Instituto Histórico Varnhagen, do Rio de Janeiro, e da “Société des Américanistes”, de Paris, e colaborou em importante obras como a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e o Guia de Portugal, dirigido por Raul Proença.

Uma das mais insignes figuras da cultura portuguesa de meados do século XX, um proeminente intelectual, político e homem de intervenção cívica, e um grande historiador, deixou uma extensa obra, repartida entre a literatura, a poesia, o conto e o drama, e a história, portuguesa e brasileira.

A 30 de Junho de 1980 foi feito grande-oficial da Ordem da Liberdade e a 3 de Julho de 1987 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, ambas a título póstumo.

Consulte aqui a bibliografia.

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Maldição

Por ti, pelo teu ódio à Liberdade
à Razão e à verdade,
a tudo o que é viril, humano e moço,
a fome e o luto apagaram os lares
e os homens agonizam aos milhares
no exílio, no hospital, no calabouço.

Por ti raivoso abutre
cujo apetite sôfrego se nutre
de lágrimas, de gritos, de aflições
gemem nas aspas da tortura
ou baixam em segredo à sepultura
os mártires que atiras às prisões.

A este claro povo, herói dos povos,
que deu ao Mundo mundos novos,
mais estrelas ao céu, mais luz ao dia;
a este livre e luminoso Apolo
atas as mãos, os pés e o colo,
e encerras numa lôbrega enxovia.

Falas do céu, como um doutor no templo
mas tu encarnação e vivo exemplo
da hipocrisia vil dos fariseus,
pelos sagrados laços que desunes,
pelos teus crimes, até hoje impunes
roubas ao mesmo crente a fé em Deus.

Passas…e mirra a erva nos caminhos,
as aves, com terror, fogem aos ninhos,
e ao ver-te o vulto gélido e felino,
mulheres e mães, lembrando os lastimosos
casos de irmãos, de filhos ou de esposos,
bradam crispadas as mãos: Assassino! Assassino!
Passas… e até os velhos, cujos anos
têm costumado a monstros e tiranos
dizem, com a boca cheia de ira e asco:
-Sobre esta Pátria mísera que oprimes,
jamais alguém foi réu de tantos crimes.
vai-te! Basta de vítimas!. Carrasco!

Passas… e ergue-se, vai de vale a cerro
dos hospitais, do fundo das masmorras
às inóspitas plagas do desterro,
um coro de ais, de imprecações, de morras.

São multidões que rugem num só brado:
– Maldita a hora em que tu foste nado!
-Que se malogre tudo quanto almejas;
-Conturbem-se os teus dias de aflição,
neguem-te as fontes água, a terra pão
e as estrelas luz -Maldito sejas.

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Leia aqui outros textos do autor.

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