Joaquim Maria Machado de Assis
Filho de um operário mestiço de negro e português, Francisco José de Assis, e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis, aquele que viria a tornar-se o maior escritor do Brasil, perdeu a mãe muito cedo, sendo criado pela madrasta, Maria Inês, que dele cuidou sempre com grande dedicação e o matriculou na escola pública, a única que ele frequentaria.
De saúde frágil, pouco se sabe da sua infância e do início da juventude. Criado no morro do Livramento, consta que ajudava a missa na igreja da Lampadosa. Com a morte do pai, em 1851, Maria Inês, à época morando em São Cristóvão, empregouse como doceira num colégio do bairro, e Machadinho, como era chamado, tornou-se vendedor de doces. No colégio , teve contato com professores e alunos e diz-se que assistia às aulas quando não estava a trabalhar.
Mesmo sem ter acesso a cursos regulares, empenhou-se em aprender. Consta que, em São Cristóvão, conheceu uma senhora francesa, proprietária de uma padaria, cujo forneiro lhe deu as primeiras lições de Francês.
Aos 16 anos, publicou o seu primeiro trabalho literário, o poema “Ela”, na revista Marmota Fluminense. A Livraria Paula Brito acolhia novos talentos da época, tendo publicado o citado poema e feito de Machado de Assis seu colaborador efetivo.
Com 17 anos, conseguiu emprego como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional e começou a escrever durante o tempo livre.
Em 1858, voltou à Livraria Paula Brito, como revisor e colaborador da revista Marmota, e ali integrou-se na sociedade lítero-humorística Petalógica, fundada por Paula Brito.
Começou a publicar obras românticas e, em 1859, foi revisor e colaborou com o jornal Correio Mercantil. Em 1860, passou a fazer parte da redação do jornal Diário do Rio de Janeiro, escrevendo também para as revistas O Espelho e A Semana Ilustrada e ainda para o Jornal das Famílias.
Publicou o seu primeiro livro de poesias, “Crisálidas”, em 1864.
Em 12 de novembro de 1869, casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais. Nessa época, o escritor era um típico homem de letras brasileiro bem sucedido, confortavelmente amparado por um cargo público e por um casamento feliz. A esposa Carolina, mulher de grande cultura, apresentou-o aos clássicos portugueses e a vários autores da língua inglesa. A morte da esposa, em 1904, foi uma sentida perda, tendo-lhe dedicado o soneto “Carolina”.
O seu primeiro romance, Ressurreição, foi publicado em 1872. Com a nomeação para o cargo de primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, estabilizou-se na carreira burocrática que seria o seu principal meio de subsistência durante toda sua vida.
Na Gazeta de Notícias, no período de 1881 a 1897, publicou aquelas que foram consideradas as suas melhores crónicas.
Em 1881, o poeta Pedro Luís Pereira de Sousa tomou posse como ministro interino da Agricultura, Comércio Obras Públicas, e Machado Assis assumiu o cargo de oficial de gabinete. Publicou, nesse ano, um livro extremamente original, pouco convencional para o estilo da época, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que foi um marco do realismo na literatura brasileira.
Extraordinário contista, publicou “Papéis Avulsos” (1882), “Histórias sem data” (1884), “Várias Histórias” (1896), “Páginas Recolhidas” (1889) e “Relíquias da casa velha” (1906).
Participou com outros intelectuais da época na criação da Academia Brasileira de Letras e, no dia 28 de janeiro de 1897, quando se instalou a Academia, foi eleito presidente da instituição, cargo que ocupou até à sua morte. Rendendo-lhe homenagem, a Academia Brasileira de Letras passou a ser chamada Casa de Machado de Assis.
Dizem os críticos que Machado era ” …. urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cínico, ignorou questões sociais como a independência do Brasil e a abolição da escravatura. Passou ao longe do nacionalismo, tendo situado as suas histórias sempre no Rio, como se não houvesse outro lugar”. … A galeria de tipos e personagens que criou revela-o como um mestre da observação psicológica.
Poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário, testemunhou a mudança política no país quando a República substituiu o Império e foi um grande comentador e relator dos eventos político-sociais da sua época.
A sua obra foi de fundamental importância para as escolas literárias brasileiras do século XIX e do século XX e tem, nos dias de hoje, grande interesse académico e público. Influenciou grandes nomes das letras, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Drummond de Andrade, John Barth, Donald Barthelme, entre outros.
É considerado um dos grandes génios da literatura brasileira e da literatura de língua portuguesa.
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Uma criatura
Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a vida.
. – in “Poesias Completas – Ocidentais”
Leia aqui outros poemas do autor.
MJL
Classificado em: Escritores e Poemas