Raul Brandão
Nascido na Foz do Douro, localidade onde passou a sua adolescência, este filho e neto de homens do mar foi profundamente marcado, como pessoa e como escritor, pelo mar e pelos seus homens.
Foi no Porto que fez os primeiros estudos, nomeadamente no Colégio São Carlos, onde colaborou, em 1885, na publicação da revista escolar O Andaluz, criada a favor das vítimas dos terramotos da Andaluzia, ao lado de João de Lemos, José Leite de Vasconcelos e Trindade Coelho. Frequentou depois a Academia Politécnica do Porto, contactando com outros jovens aspirantes a escritores, entre os quais se contavam os amigos da adolescência, António Nobre e Justino de Montalvão.
Em 1891, após o curso secundário e depois de uma breve passagem pelo Curso Superior de Letras, matriculou-se na Escola do Exército. Com este ingresso, diz-se que a contragosto, iniciou uma carreira militar caracterizada por longas permanências no Ministério da Guerra envolvido na máquina burocrática militar. Paralelamente, manteve a atividade de jornalista, colaborando no semanário O Micróbio (1894-1895) e nas revistas Brasil-Portugal (1899-1914), Revista nova (1901-1902) e Serões (1901-1911) a par da produção literária.
Em 1890 faz a sua estreia com a coletânea de contos naturalistas “Impressões e Paisagens”, participando ativamente em vários movimentos de renovação literária.
Em 1896, concluído o estágio na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, foi colocado em Guimarães, onde se casou (com a esposa viria a escrever “Portugal Pequenino”, uma narrativa para crianças) e se fixou, embora com prolongadas estadias em Lisboa e noutras cidades. A sua vida dividia-se entre a escrita realizada na capital e a que produzia no recolhimento da sua Casa do Alto, nas proximidades de Guimarães, onde não se dedicava apenas à escrita, mas também à administração da propriedade. Este contacto direto com o mundo rural e as suas agruras deu-lhe tema para a escrita, como se pode ver em “Os Pobres” (1902-1903).
Reformado do exército, em 1912, iniciou a fase mais fecunda da sua produção literária.
Em Lisboa, conviveu, mais tarde, com os intelectuais do grupo da revista “Seara Nova”, integrando o grupo de fundadores deste movimento, juntamente com Jaime Cortesão, Raul Proença e Aquilino Ribeiro, entre outros, e aí publicou, em 1929, “O Avejão” e o monólogo “Eu sou um Homem de Bem”.
No verão de 1924, uma visita aos Açores resultou na publicação, dois anos mais tarde, de “As ilhas desconhecidas – Notas e paisagens”, obra com forte impacto na imagem interna e externa dos Açores (foi nesta obra que se inspirou o conhecido código de cores das ilhas açorianas: Terceira, ilha lilás; Pico, ilha negra; S. Miguel, ilha verde…).
A morte interrompeu os seus projetos de tornar públicos quatro livros de trabalho de teatro, no entanto, o projeto ficaria apenas pela publicação de um volume. Planeou, igualmente, escrever “A História Humilde do Povo Português”, da qual os “Os Pescadores” constituiria o 1º volume, e ao qual se seguiriam “Os Lavradores”, “Os Pastores”, “Os Operários”.
Foi, no entender de muitos estudiosos da sua vida e obra, um homem de talento, mas passivo e solitário, traços que acabaram por fazer dele, muitas vezes, um incompreendido.
Em 1950, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma rua na zona de Alvalade.
Tem uma biblioteca com o seu nome em Guimarães.
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.A Alma é Exterior
A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia tomar cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda – imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. Assim é que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus.
.A Primitiva Infâmia
Desde que se cumpram certas cerimónias ou se respeitem certas fórmulas, consegue-se ser ladrão e escrupulosamente honesto – tudo ao mesmo tempo. A honradez deste homem assenta sobre uma primitiva infâmia. O interesse e a religião, a ganância e o escrúpulo, a honra e o interesse, podem viver na mesma casa, separados por tabiques. Agora é a vez da honra – agora é a vez do dinheiro – agora é a vez da religião. Tudo se acomoda, outras coisas heterogéneas se acomodam ainda. Com um bocado de jeito arranja-se-lhes sempre lugar nas almas bem formadas.
. in “Húmus”
MJLeite
Classificado em: Escritores e Poemas