Al Berto
“A eternidade não é lerem-me dentro de 50 ou 60 anos ou ficar na história da literatura portuguesa. Só espero que meia dúzia de doidos me leiam agora e isso os toque.”
Alberto Raposo Pidwell Tavares nasceu em Coimbra, no seio de uma família da alta burguesia e fortemente conservadora (de origem inglesa por parte da avó paterna)e passou a sua infância e a adolescência em Sines, no distrito de Setúbal. Veio, posteriormente, viver para Lisboa para frequentar a Escola António Arroio, estabelecimento de ensino artístico.
Amigos de infância ainda recordam os “bonecos” em argila que esculpia em casa, muito antes da António Arroio. Teve sempre um ar extremamente irreverente para o seu tempo, trajando de modo displicente calças de ganga e ténis rotos, para escândalo geral, o que poderá ter sido a primeira afirmação da sua diferença intelectual.
A 14 de abril de 1967, refratário militar, partiu para Bruxelas, onde estudou pintura na École Nationale Supérieure d’Architecture et des Arts Visuels. Concluído o curso, decidiu abandonar a pintura em 1971 para se dedicar exclusivamente à escrita, mantendo o interesse pelas artes gráficas e pela fotografia.
De regresso a Portugal em novembro de 1974, escreveu o seu primeiro livro inteiramente “À Procura do Vento num Jardim d’Agosto”.
“O Medo”, uma antologia da sua poesia desde 1974 a 1986, foi editado em 1987, constituindo o trabalho mais importante da sua obra e o seu testemunho artístico, ao qual foram sendo adicionados, em posteriores edições, novos escritos do autor, mesmo após a sua morte.
Exerceu funções de Animador Cultural da Câmara Municipal de Sines e Diretor do Centro Cultural Emmerico Nunes, da mesma cidade.
Por várias vezes representou oficialmente Portugal em manifestações de divulgação da Cultura Portuguesa, com destaque para Belles Étrangéres (festival literário francês organizado anualmente pelo Centro Nacional do Livro), Europe à livre ouvert, Le Portugal à Bordeaux (França) e Europália 91(Bélgica).
Deixou textos incompletos para uma ópera, para um livro de fotografia sobre Portugal e uma «falsa autobiografia», como o próprio autor a intitulava.
Em 1988, recebeu o Prémio Pen Club de Poesia pela obra “O Medo”.
A 10 de junho de 1992 foi feito Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.
Foi-lhe concedida Medalha de Mérito Municipal, em 1995, em reconhecimento pelo seu trabalho em prol da cultura portuguesa, em geral, mas também e sobretudo da cidade de Sines, onde há uma escola com o seu nome.
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Rumor dos Fogos
hoje à noite avistei sobre a folha de papel
o dragão em celulóide da infância
escuro como o interior polposo das cerejas
antigo como a insónia dos meus trinta e cinco anos…
dantes eu conseguia esconder-me nas paisagens
podia beber a humidade aérea do musgo
derramar sangue nos dedos magoados
foi há muito tempo
quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever
o mundo reduzia-se a um berlinde
e as mãos eram pequenas
desvendavam os nocturnos segredos dos pinhais
não quero mais perceber as palavras nem os corpos
deixou de me pertencer o choro longínquo das pedras
prossigo caminho com estes ossos cor de malva
som a som o vegetal silêncio sílaba a sílaba o abandono
desta obra que fica por construir… o receio
de abrir os olhos e as rosas não estarem onde as sonhei
e teu rosto ter desaparecido no fundo do mar
ficou-me esta mão com sua sombra de terra
sobre o papel branco… como é louca esta mão
tentando aparar a tristeza antiga das lágrimas
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Leia aqui outros textos do autor.
MJLeite
Classificado em: Escritores e Poemas