José Régio

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José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, nasceu no seio de uma família da burguesia provincial, filho de ourives, e viveu em Vila do Conde até acabar o quinto ano do liceu. Ainda jovem publicou na sua terra-natal os primeiros poemas nos jornais O Democrático e República. Depois de uma breve passagem por um internato do Porto, aos dezoito anos foi para Coimbra, onde se licenciou em Filologia Românica.

Com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões fundou, em 1927, a revista Presença, que se publicou durante 13 anos e que iniciou o segundo Modernismo português de que José Régio foi o principal impulsionador. Assumiu, nesta publicação, um protagonismo crítico e promoveu a divulgação e valorização dos autores do primeiro modernismo (nomeadamente, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada negreiros) e a abertura do horizonte de leituras para lá da francofilia tradicional no meio português.Deixou também textos dispersos por publicações como a Seara Nova, Ler, o Comércio do Porto e o Diário de Notícias, entre outras.

Numa voz pessoal e original e sempre em busca de procura de um equilíbrio entre o humano e o divino, o Bem e o Mal, o espírito e a carne,o mundo natural e a transcendência, o individual e o universal, escreveu poesia, romance, conto, teatro, ensaio e crítica.

Entre 1927 e 1928 lecionou Português e Francês num liceu no Porto e depois no liceu de Portalegre, cidade onde viveu quase quarenta anos. Admirador entusiasta da arte popular, aí reuniu uma extensa e preciosa coleção de antiguidades e de arte sacra alentejanas que vendeu à Câmara Municipal de Portalegre, com a condição de esta comprar também o prédio da pensão onde vivera e de a transformar em casa-museu.A cidade foi imortalizada no seu poema “Toada de Portalegre” (soberbamente dito, na década de 50, por João Villaret em programas radiofónicos e televisivos e no Teatro S. Luiz).

Em 1966, Régio reformou-se e voltou para a sua casa natal em Vila do Conde (hoje também casa-museu),onde morreu em 22 de dezembro de 1969.

Recebeu em 1961, o prémio Diário de Notícias e, postumamente, em 1970, o Prémio Nacional de Poesia, pelo conjunto da sua obra poética.

 

Consulte aqui a bibliografia.

 

Cântico Negro

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: “vem por aqui!”

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali…

 

A minha glória é esta:

Criar desumanidade!

Não acompanhar ninguém.

– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

Com que rasguei o ventre à minha mãe

 

Não, não vou por aí! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos…

 

Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: “vem por aqui!”?

 

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí…

 

Se vim ao mundo, foi

Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.

 

Como, pois sereis vós

Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

Para eu derrubar os meus obstáculos?…

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

 

Ide! Tendes estradas,

Tendes jardins, tendes canteiros,

Tendes pátria, tendes tectos,

E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…

Eu tenho a minha Loucura !

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

Mas eu, que nunca principio nem acabo,

Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

 

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: “vem por aqui”!

A minha vida é um vendaval que se soltou.

É uma onda que se alevantou.

É um átomo a mais que se animou…

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou

– Sei que não vou por aí!

in “Poemas de Deus e do Diabo”

 

Leia aqui outros poemas e citações  do autor.

 

MJLeite

2 comentários para “José Régio”

  1. Boa escolha! Muito oportuno – um excelente convite à reflexão, linha a linha…
    Parabéns pela constância desta rubrica.

  2. Cântico Negro é um poema de uma intensidade imensa. Um hino ao pensamento crítico.

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